28 de agosto de 2025

EUA vai ampliar sanções caso Brasil se aproxime mais da China

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A participação da China na economia brasileira cresceu significativamente nos últimos anos: no primeiro semestre de 2025, a economia brasileira alcançou o posto de segundo principal destino de investimentos chineses no exterior. Mais que ampliar uma relação comercial, os investimentos refletem uma ambição maior do país asiático: consolidar espaço de influência em um contexto geopolítico cada vez mais multipolar, reduzindo a dominância dos Estados Unidos.

O governo do presidente Donald Trump está atento a isso. É o que ajuda a explicar a escalada na ofensiva dos EUA sobre o Brasil nos últimos meses.

Para Alberto Pfeifer, pesquisador sênior do Insper Agro Global e coordenador do grupo de Análise de Estratégia Internacional da Universidade de São Paulo (USP), à medida que o Brasil caminhar mais em direção à China, mais sanções deve receber dos Estados Unidos, de todo tipo – política, jurídica, econômica –, o que deve piorar a situação interna, com reflexos no contexto social e no enfraquecimento do governo brasileiro.

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“Existe um jogo implícito, entre três agentes econômicos ou atores políticos globais: Rússia, China e Estados Unidos”, pontua o pesquisador. “Não sei até que ponto a China também vai querer entrar em fricção com o governo americano nesta região, que os Estados Unidos já disseram, mostraram, desenharam, deixaram muito claro, que é a zona de influência deles”, diz.

Para ele, em um mundo interdependente formado por múltiplos atores globais, é natural que a China invista na América Latina, e também que isso incomode a preponderância americana na região.

“Não é mais o mundo da Guerra Fria, em que havia uma separação absoluta entre dois polos. Em um contexto em que, pela cartografia almejada pelo atual governo americano, parece que será um mundo de zonas de influência, de condomínio de poder, e não de polarização, o espaço natural de influência dos Estados Unidos é a América e, portanto, uma presença maior da China atrapalha, distorce, perturba esse equilíbrio”, explica. 

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Pfeifer define o contexto geopolítico atual como um jogo inter-relacionado, em que as zonas de influência são de preponderância, não de exclusividade. A Rússia sobre sua região próxima, evidenciada pelo conflito com a Ucrânia; a China sobre territórios como Taiwan e Hong Kong; e os Estados Unidos sobre todo o continente americano. 

Segundo ele, essa é a razão por que os Estados Unidos estão tão atentos a essa conexão sino-latino-americana, em particular em relação ao maior fornecedor de segurança alimentar para o mundo, que é o Brasil. 

“O chinês vai fazer comércio, economia e investimentos com o Brasil até o momento em que isso representar uma ameaça, uma afronta ao interesse americano na região. Aí o chinês vai retroceder, porque ele não quer o mesmo acontecendo na sua região, não quer o americano entrando nas questões de Taiwan, por exemplo.”

Sanções ao Brasil não têm a ver com comércio, diz pesquisador

Depois de estabelecer, em abril, uma alíquota de 10% sobre todos os produtos brasileiros que entram nos Estados Unidos, Trump elevou a taxação, embora com uma série de exceções, para 50% – a maior imposta pelo governo americano sobre outro país. 

Na carta em que anunciou a elevação da tarifa, divulgada em 9 de julho, o presidente dos EUA citou, entre outros motivos, o processo a que responde o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF), que Trump classificou como uma “caça às bruxas”.

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No dia 15, o governo Trump abriu ainda uma investigação contra o Brasil, por meio do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), sobre ações, políticas e práticas brasileiras consideradas “irrazoáveis” ou “discriminatórias” e que “pesam ou restringem o comércio americano”.

A ordem para investigação mencionou o sistema de pagamentos Pix, o comércio de produtos piratas na Rua 25 de Março, em São Paulo, o desmatamento ilegal para uso agropecuário, a proteção do mercado de etanol, a corrupção, a proteção de propriedade intelectual e tarifas preferenciais adotadas pelo Brasil no comércio com parceiros como México e Índia.

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No dia 30, o governo americano, por meio do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro (OFAC), incluiu o ministro do STF Alexandre de Moraes na lista de autoridades sancionadas com base na Lei Magnitsky, que prevê o bloqueio de bens e propriedades nos Estados Unidos e proíbe os cidadãos americanos de realizar qualquer transação com os atingidos pela medida por tempo indeterminado. 

O governo americano justificou a decisão com a alegação de que Moraes é responsável por “uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados, inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”.  

Antes disso, o ministro, seus familiares e outros membros da corte já haviam tido seus vistos americanos revogados, sendo impedidos de entrar nos Estados Unidos. 

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Mais recentemente também passaram a ser proibidos de ingressar em território americano o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, sua esposa e sua filha, além de Mozart Julio Tabosa Sales e Alberto Kleiman, por estarem envolvidos na criação do Mais Médicos.

Os Estados Unidos tratam o programa como um “esquema coercitivo de exportação de mão de obra do regime cubano, que explora trabalhadores médicos por meio de trabalho forçado”.

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No dia 12 de agosto, em relatório publicado pelo Departamento de Estado dos EUA, o Brasil foi citado como um país em que a situação dos direitos humanos piorou no ano de 2024.

O documento cita como exemplos do quadro ações tomadas pelo STF para censurar Bolsonaro e seus aliados, o bloqueio do X e as mortes causadas por policiais militares.

Em uma carta enviada no dia 18 por Trump a Bolsonaro, o presidente americano confirma a motivação política do tarifaço.

“Compartilho seu compromisso de ouvir a voz do povo e estou muito preocupado com os ataques ao livre discurso – tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos – vindos do atual governo. Manifestei veementemente minha desaprovação, tanto publicamente quanto por meio de nossa política tarifária”, escreveu.

“Estados Unidos esperam uma mudança de governo no Brasil. Esse é o cálculo”

Para Pfeifer, o tarifaço imposto por Trump sobre o Brasil está longe de se resumir a uma questão comercial. “Algumas pessoas começaram a fazer o comentário de que os Estados Unidos estão nos empurrando no colo da China, como se os americanos fossem tão tolos que não antevissem esse tipo de movimento”, argumenta. 

Como o pesquisador descreve em artigo assinado com o economista Marcos Jank, o movimento não “trata de procedimentos judiciais, nem de censura virtual; e muito menos no comércio”, mas “de uma reconfiguração das esferas de projeção e domínio sobre as vizinhanças territoriais”. 

“Os Estados Unidos estão esperando uma mudança de governo, ou uma alteração na orientação da inserção internacional do Brasil. É uma relação governo-governo: os Estados Unidos esperam uma alteração de mandato presidencial do Brasil. Esse é o cálculo final americano”, afirma o pesquisador do Insper.

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Em julho, no projeto de lei do orçamento dos órgãos de inteligência dos EUA para o ano fiscal de 2026, o senador eleito pelo Arkansas Tom Cotton (Partido Republicano) incluiu uma investigação sobre o avanço chinês no setor agrícola brasileiro e seus impactos na cadeia de suprimentos, no mercado global e na segurança alimentar. 

Para Pfeifer, a iniciativa não chega a surpreender. “Já há serviços de inteligência, ou de espionagem, se for esse termo americano, mapeando isso”, diz.

“O senador apenas escancara uma realidade: a de que a China tem interesse em conhecer melhor a produção agrícola e o fornecimento de uma segurança multidimensional por parte do Brasil. Alguns falam em segurança alimentar, mas eu prefiro o termo ‘segurança multidimensional’, porque não é apenas alimentar, é energética, territorial, social, política, ambiental, enfim, múltipla.” 



Fonte ==> Gazeta

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