Além de impactos econômicos nocivos para centenas de países, o tarifaço patrocinado por Donald Trump já provocou um dano irreparável aos Estados Unidos: o esfacelamento da condição de parceiro confiável. A avaliação é de Roberto Abdenur, embaixador do Brasil em Washington entre 2004 e 2006, em entrevista a CartaCapital.
“Trump trabalha contra os melhores interesses dos Estados Unidos. Mesmo se ele agora recuasse de tudo o que fez, o dano está feito”, afirma Abdenur. “Ele está descredenciando os Estados Unidos como um parceiro confiável.”
O republicano emitiu sinais contraditórios nos mais recentes lances da guerra comercial com a China: elevou a 145% as tarifas sobre produtos chineses, mas elogiou a inteligência do presidente Xi Jinping, a quem chamou de amigo.
Para os demais países atingidos pelas medidas de 2 de abril, valerá por três meses uma tarifa de 10% — a mesma já imposta ao Brasil.
A imprevisibilidade com que o magnata lida com temas sensíveis conduz à perda de credibilidade de Washington na diplomacia e no comércio exterior, reforça Abdenur, mas também tem impacto interno.
“Nesses dias, não só as ações caíram, mas também as cotações dos bonds, isto é, dos títulos emitidos pelo Tesouro americano, que eram o grande refúgio para quem tinha dinheiro e queria fugir de crises financeiras”, emenda. “Ele também desqualificou esse pilar.”
Roberto Abdenur tem uma larga experiência diplomática: chegou ao Itamaraty em 1963 e se afastou em 2007. Testemunhou da Guerra Fria à invasão do Iraque, passando pelo fim da União Soviética.
Como representante da gestão Lula (PT) em Washington, teve a complexa tarefa de reduzir a resistência da Casa Branca ao primeiro governo de esquerda do Brasil pós-redemocratização. O resultado foi positivo: o petista, antes visto apenas como aliado de Fidel Castro, construiu uma relação harmoniosa com George W. Bush.
Para o ex-embaixador, Lula e seu governo reagem corretamente à guerra comercial de Trump: com cautela e sem retaliação. O momento, sustenta, exige sobriedade e moderação, a fim de avaliar o que acontecerá com os outros países e o que Trump fará ao fim da “pausa tarifária” de 90 dias. Retomará as taxas anunciadas no início de abril? Desistirá de todas elas? Elevará as tarifas?
“Pequim está retaliando duramente, mas os chineses também são muito pragmáticos”, pondera. “Se Trump abrir as portas para uma verdadeira negociação, a China se engajará. E isso terá consequências para nós também, boas ou ruins.”
Outro aspecto pouco explorado na cobertura brasileira é o impacto interno da medida. A depender do prejuízo ao bolso do eleitor, o que hoje é encarado como excentricidade pode se tornar intolerável.
A CNN norte-americana exibiu na manhã desta quinta-feira 10 uma entrevista com um fazendeiro que produz soja em Magnolia, uma pequena comunidade no condado de LaRue, em Kentucky. Ele apoiou a eleição de Trump, mas é taxativo ao dizer que o tarifaço pode levar à falência o negócio ao qual sua família se dedica há 217 anos.
“Ele está tentando fazer o que é melhor para o país, mas queremos assegurar que a nossa voz seja ouvida”, disse o homem, entre a lamentação, a resignação e a expectativa. Não é um rompimento, mas ele implora pelo fim das taxas exorbitantes sobre a China.
Os números explicam: em 2024, os Estados Unidos exportaram quase 12,8 bilhões de dólares em soja para a China — mais do que os embarques somados à União Europeia, México, Indonésia, Egito, Japão, Taiwan, Vietnã, Bangladesh e Turquia.
‘Produtor de soja teme que tarifas afundem um negócio familiar de 217 anos’. Foto: Reprodução/CNN
Ainda assim, diz o embaixador aposentado, considerando-se a megalomania de Trump, é improvável que, em um lampejo de humildade, ele simplesmente admita ter se equivocado na dose. Inclusive porque se cerca de auxiliares defensores do tarifaço, a exemplo de Peter Navarro.
“O que me espanta é como 77 milhões de americanos se deixaram levar por um sujeito como Trump, que não esconde ser narcisista, megalômano, irresponsável, sem escrúpulos, capaz de fazer qualquer coisa, para o bem ou para o mal — no caso para o mal, mais do que tudo”, completa.
Só o tempo dirá como o eleitorado norte-americano percebe de fato o governo Trump pós-tarifas, mas já há sinal amarelo: uma pesquisa encomendada pela revista The Economist à empresa YouGov, conduzida entre 5 e 8 de abril, mostrou um declínio em sua popularidade.
O índice de desaprovação subiu para 51%, enquanto 43% aprovam seu desempenho — cinco pontos a menos que na semana anterior. No plano pessoal, 54% têm visão desfavorável do presidente, e 43%, favorável.
Entre os eleitores de Trump em 2024, os que o veem de forma positiva caíram de 91% para 85%. Já os que o avaliam negativamente subiram de 9% para 14%.
O desafio dos democratas e dos opositores em geral será se recuperar do baque eleitoral e se fortalecer diante do tumulto causado por Donald Trump, enquanto o mundo prende a respiração à espera dos próximos passos — ou dos próximos posts — do bilionário bufão da Casa Branca.
Fonte ==> Casa Branca