REARP: O Imposto sobre a Inflação que o Governo Criou para Fazer Caixa Rápido
Nos últimos meses, o governo tem promovido o Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial (REARP) como uma oportunidade imperdível de “planejamento patrimonial”. A promessa é simples: atualize o valor de seu imóvel na declaração de Imposto de Renda, pague uma alíquota reduzida de 4% sobre a valorização e evite um imposto maior no futuro. O que não está sendo dito com a mesma clareza é a verdadeira natureza deste programa: um mecanismo de arrecadação imediata que, na prática, institui um imposto sobre a inflação, cobrado antes mesmo de qualquer ganho real se concretizar.
Pagando Imposto sem Vender: A Inversão da Lógica Tributária
Tradicionalmente, o Imposto de Renda sobre Ganho de Capital incide, como o nome sugere, sobre um ganho efetivamente realizado. Ou seja, você só paga o imposto após vender o imóvel e receber o dinheiro. O REARP subverte essa lógica. O fato gerador do novo tributo não é a venda, não é o lucro no seu bolso, mas sim a simples atualização do valor do bem no papel. Em outras palavras, o governo está tributando a especulação imobiliária e a inflação acumulada ao longo dos anos, e está exigindo o pagamento agora.
Você não vendeu seu imóvel, não recebeu um centavo a mais por ele, mas, ao aderir ao programa, passa a dever um imposto ao governo. Trata-se de uma antecipação de receita para os cofres públicos, sob o pretexto de um benefício futuro que pode nunca se materializar.
A Conta Chega Agora: Uma Simulação Realista
Para entender o impacto imediato, vamos a um exemplo prático. Imagine um proprietário que comprou um apartamento por R$ 300 mil há alguns anos. Com a valorização do mercado, o imóvel hoje vale R$ 800 mil.
Ao aderir ao REARP, o cálculo é o seguinte:
•Valor de Mercado: R$ 800.000
•Custo de Aquisição: R$ 300.000
•Base de Cálculo (Valorização): R$ 500.000
•Imposto a Pagar (4%): R$ 20.000
Este proprietário, sem ter vendido o imóvel, passa a dever R$ 20.000 ao governo. Embora a lei permita o parcelamento em até 24 vezes, a dívida é constituída imediatamente. Agora, imagine que essa pessoa possua dois imóveis com a mesma valorização. A dívida instantânea dobra para R$ 40.000.
Esses R$ 40 mil, que poderiam estar investidos ou sendo utilizados para outras finalidades, são agora direcionados para pagar um imposto sobre um lucro que ainda não existe. É, na essência, um empréstimo compulsório ao governo, com o seu patrimônio como garantia.
As Armadilhas do REARP: Riscos que Você Precisa Conhecer
Além do desembolso imediato, o programa vem acompanhado de uma série de riscos que transformam a suposta vantagem em uma potencial armadilha financeira.
Risco 1: Atraso no Pagamento
Se o proprietário atrasar o pagamento das parcelas, as consequências são severas. A dívida será acrescida de multa de mora de 0,33% ao dia (limitada a 20%) e juros baseados na taxa Selic. A inadimplência contínua pode levar à exclusão do programa, cancelando todos os benefícios. Nesse caso, a Receita Federal recalculará o débito pelas regras normais e aplicará uma multa de ofício de 75% a 150% sobre o imposto devido, além de inscrever o contribuinte na Dívida Ativa da União.
Risco 2: A Venda Antecipada
O governo impôs uma cláusula de “lock-up”: o proprietário que aderir ao REARP fica proibido de vender o imóvel por cinco anos. Se a venda ocorrer antes desse prazo, o benefício da alíquota de 4% é anulado. O imposto será recalculado pela alíquota normal de ganho de capital (15% a 22,5%), e o contribuinte terá que pagar a diferença, com juros e multa.
Isso cria uma rigidez perigosa. Se uma emergência financeira ou uma oportunidade de negócio exigir a venda do imóvel, o proprietário será duplamente penalizado: pagou o imposto de 4% antecipadamente e ainda terá que arcar com a tributação cheia, como se nunca tivesse aderido ao programa.
Conclusão: Um Imposto sobre a Inflação, Não um Benefício
É crucial que os proprietários de imóveis enxerguem o REARP pelo que ele realmente é: uma estratégia de arrecadação de curto prazo que cria um imposto sobre a inflação patrimonial. Não se trata de um presente do governo, mas de uma cobrança antecipada sobre um lucro hipotético. A decisão de aderir significa concordar em pagar agora por uma valorização que só se tornaria um ganho real no futuro, com a venda do bem.
Antes de aderir, o proprietário deve se perguntar: estou disposto a pagar um imposto sobre um dinheiro que não recebi, e a imobilizar meu patrimônio por cinco anos, para alimentar a necessidade de caixa do governo? Para muitos, a resposta realista será não.


