24 de abril de 2025

Francisco, o papa que entendeu a ciência – 29/03/2025 – Reinaldo José Lopes

Imagem de um homem idoso vestido com vestes brancas e uma cruz, sentado em uma varanda. Ele está gesticulando enquanto fala. Ao fundo, há um homem em um terno escuro e outros indivíduos com câmeras, observando. A cena parece ser um evento público.

Começo esta coluna com duas afirmações que deveriam ser completamente incontroversas, mas que ainda assim, imagino, hão de provocar princípios de apoplexia em algumas pessoas. Afirmação 1: já faz ao menos várias décadas que a relação entre a Igreja Católica e a ciência é essencialmente harmônica, ao menos do ponto de vista institucional. Afirmação 2: o papa Francisco transformou essa relação já pacificada em algo muito próximo de uma colaboração, em especial acerca do que realmente importa para a humanidade.

O que significa que não só católicos e pessoas de boa vontade em geral como também cientistas do mundo todo deveriam dar um suspiro de alívio diante da recente recuperação da saúde de Francisco. Num mundo em que o debate público foi ficando cada vez mais poluído por extremismos e maluquices, o pontífice argentino buscou mesclar respeito às evidências e compaixão. Não é pouca coisa.

Jorge Mario Bergoglio mostrou a profundidade de seu compromisso com essa fórmula dupla em 2015, com a publicação da encíclica ambiental “Laudato Si’”. Hoje, as encíclicas estão entre os documentos mais importantes do chamado magistério papal –ou seja, o que os papas, enquanto “professores” dos fiéis católicos, têm a ensinar.

Acontece que toda a primeira parte da “Laudato Si’” poderia muito bem fazer parte de uma publicação do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas. Antes de mais nada, Francisco e seus colaboradores apresentaram com clareza e senso de urgência o que a humanidade descobriu sobre o buraco (ainda) sem fundo da crise climática e da perda de biodiversidade.

Ou seja, para usar o jargão das publicações científicas, o documento papal começava com uma grande “revisão da literatura” sobre o tema. Mas, é claro, não se detinha nisso.

Partindo da doutrina judaico-cristã da Criação –mas sem o literalismo bíblico dos que ainda enxergam um Cosmos feito a partir do zero em seis dias–, a encíclica traçou o retrato de uma Terra que é, por sua própria natureza, finita, como a ciência também mostra. O corolário lógico disso, para qualquer um que não esteja agarrado às tetas de bruxa do crescimento econômico infinito, é que precisamos imaginar outra maneira, muito mais humilde, de lidar com a “casa comum” planetária.

Além disso, ao contrário de tantos outros líderes religiosos, Francisco não minimizou em momento nenhum a tragédia da Covid-19, não atacou as medidas necessárias para conter a transmissão e descreveu a vacinação como “obrigação moral” e “ato de amor”.

É seguro dizer que, ao menos por ora, o papa fez tudo isso remando contra a maré crescente de negacionismo da extrema direita global. Ainda assim, não se deve menosprezar o efeito positivo modesto da “Laudato Si’”, disse-me o colega Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.

“A encíclica teve um papel relevante nos processos que permitiram a criação do Acordo de Paris, e é graças ao acordo que há cada vez mais carros elétricos nas ruas do Brasil, ou que há cada vez mais energia solar. A ‘Laudato Si’’ não resolveu o problema, lógico. Foi uma boa tentativa, que ficou para a história.”

Não dá para pedir muito mais do que isso a um único homem, mesmo que ele tenha o emprego que foi de são Pedro.



Fonte ==> Folha SP

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