15 de agosto de 2025

governo tira ajuda ao tarifaço da meta fiscal

Lula voltou a criticar Donald Trump ao anunciar plano de ajuda a setores atingidos pelo tarifaço.

Recebido com algum alívio pelos setores afetados pelo tarifaço americano, o pacote de ajuda anunciado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) traz à tona novamente o uso da contabilidade criativa. Diferente do que havia prometido o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Planalto decidiu retirar parte dos gastos da meta do arcabouço fiscal, recorrendo à dispensa prevista para despesas urgentes.

As medidas — que incluem crédito subsidiado, compras públicas sem licitação da produção das empresas e apoio direto a produtores — consumirão R$ 30 bilhões do Fundo Garantidor de Exportação. Também está prevista a prorrogação da comprovação do chamado “drawback”, que restitui impostos cobrados sobre os insumos para a produção destinada à exportação.

O impacto no resultado primário é estimado em R$ 9,5 bilhões: R$ 4,5 bilhões dos fundos garantidores para financiamento e até R$ 5 bilhões do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários (Reintegra), que devolve créditos tributários pagos pelos exportadores.

A nova tentativa do governo de driblar a meta fiscal — que ainda deverá ser chancelada pelo Congresso — é vista por economistas e analistas do mercado financeiro como mais um golpe na credibilidade do combalido arcabouço. O mecanismo já contempla uma margem de 0,25% para acomodar imprevistos e emergências — como as enchentes do Rio Grande do Sul e as queimadas no Centro-Oeste — e eventos extraordinários, como o atual tarifaço americano.

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“Isso [a retirada da meta], em tese, deveria servir justamente para que você pudesse acomodar diferentes tipos de choque sem necessariamente ter uma penalização do administrador público”, diz João Pedro Paes Leme, da Consultoria Tendências. “Eles [o governo] poderiam ter se beneficiado da flexibilidade que existe, mas o ímpeto de achar caminhos subalternos vai acabar sendo problemático.”

Para ele, o maior problema é o precedente que se cria. “É muito preocupante”, diz. “Se você tem toda essa cadeia de incentivos para sempre excluir as coisas da meta, sempre recorrer a esse tipo de instrumentação do waiver [licença formal para descumprir a regra], você faz com que a própria regra fiscal perca um pouco de credibilidade.”

Manobras de pacote do tarifaço minam credibilidade da regra fiscal

Para o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, o “ideal seria não excluir tais valores [da ajuda ao tarifaço] do cômputo da meta, mas sim utilizar a banda de tolerância de 0,25% do PIB para absorver tais choques.”

Mas a própria margem de tolerância é questionada. “Teoricamente faz sentido, mas é ruim mirar apenas o piso da regra”, diz Paes Leme. Ele lembra que o próprio Tribunal de Contas da União (TCU) já se manifestou contra a interpretação do Ministério do Planejamento e da Fazenda de que basta contingenciar recursos do Orçamento até alcançar o piso.

“Seria melhor demonstrar maior diligência e contenção em algumas despesas. Mesmo com o discurso de cumprir a meta, [o governo] ainda mostra falta de comprometimento real. O ministro Fernando Haddad, por exemplo, fala sobre obstinação, mas aparenta mais uma disposição de passar raspando no final do ano, como 4,95 no lugar de 5.”

Além de gerar dúvidas sobre o compromisso do governo com a credibilidade do arcabouço fiscal, o cerne da discussão do pacote do tarifaço diz respeito ao aumento da pressão sobre as contas públicas. “O fato de [as medidas] estarem fora da meta fiscal, não resolve o problema da dívida pública, que tem risco de elevação via redução de arrecadação”, diz João Mário de França, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV-Ibre).

Isso significa que estar incluído ou não na meta do arcabouço é “mero detalhe”, porque, no fim do dia, o déficit total vai aumentar e estrangular os cofres públicos. A relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB) está em torno de 78% e em trajetória de alta desde 2022.

“O mecanismo do arcabouço fiscal não está conseguindo fazer essa relação diminuir”, afirma o pesquisador. “Ele serve para impedir um crescimento descontrolado, mas é insuficiente para reverter a tendência. Desde 2022, já são três anos de aumento.”

Além disso, França destaca que renúncias fiscais como o Reintegra e drawback, se prorrogadas por tempo excessivo, podem levar a mais queda de receitas do governo “sem contrapartidas efetivas em ganhos de competitividade da nossa indústria”.

O pacote inclui também efeitos monetários: “Toda vez que o governo injeta dinheiro na economia, pode haver expansão de demanda e consumo”, explica. “A economia já está muito aquecida — o desemprego está no menor nível da série histórica. Isso pode atrasar a redução da Selic pelo Banco Central” e, consequentemente, aumentar o custo do Tesouro com a rolagem da dívida.”

Nova regra fiscal deverá ser mais dura, após tarifaço

As projeções do mercado e do próprio governo já mostram que a evolução dos gastos é incompatível com a sustentabilidade das contas públicas. O pacote antitarifaço só veio agravar a situação. O valor das despesas obrigatórias já está consumindo praticamente todo o orçamento federal, diminuindo recursos para investimentos e até para a manutenção de serviços da máquina pública.

O nó da regra fiscal é que o percentual das despesas em saúde e educação obedece a pisos mínimos estipulados pela Constituição e não pode ser reduzido. Outras despesas importantes, como Previdência e benefícios sociais, estão atreladas ao salário mínimo, que tem ganho real acima da inflação — ou seja, acima do limite estabelecido pelo arcabouço.

Para este ano, a expectativa é de que o governo cumpra a meta lançando mão de receitas não recorrentes, como distribuição de dividendos, venda dos barris excedentes de petróleo e o leilão de campos de pré-sal. Mas a necessidade de nova regra já está contratada.

Para Paes Leme, o problema é que, apesar das previsões de aumento da arrecadação, pela falta de “diligência” atual, a nova regra vai precisar ser mais dura. “Quando você descredibiliza a regra fiscal, as coisas ficam mais difíceis para futuras reformas. Regras terão que ser mais rigorosas e diretas, como já vimos no caso do teto de gastos. Sem isso, será necessário convencer cada vez mais a população e os agentes de mercado de que há uma busca real por sustentabilidade fiscal.”



Fonte ==> Gazeta

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