Não é a primeira vez que um comunicado de contenção de despesas do governo federal termina em trapalhada. No final do ano passado, o anúncio das medidas que seriam enviadas ao Congresso para cortar gastos, ainda que razoáveis e defensáveis, transformou-se em evitável desastre político.
Naquela oportunidade, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, viu-se obrigado a ceder a pressões de alas do PT e do governo para anunciar, com o pacote, um improvisado projeto de reformulação do Imposto de Renda. Por meritório que fosse, a ocasião não era a mais propícia e os detalhes sobre o novo gasto não estavam claros. Virou tumulto e alimento paraopositores. Espanta que o equívoco de comunicação tivesse sido orquestrado pelo atual ministro da Secom, Sidônio Palmeira, à época um assessor.
Desta vez, porém, o ministro da Fazenda enrolou-se sozinho. Os erros de articulação e o anúncio mal planejado cobraram seu preço. A imagem de desarticulação na área econômica mais uma vez saltou aos olhos. A ideia de mexer no IOF para compensar despesas agitou o mercado e pegou mal para Haddad, novamente exposto à malhação política por buscar tapar buracos com mais arrecadação. O desencontro com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, veio à luz, e o presidente Lula teve que pegar o bonde andando para tomar decisões.
O pano de fundo para a barafunda é –desculpe-se o clichê– a tentativa do governo de fazer um omelete fiscal sem quebrar os ovos. A essa arte de difícil realização acrescentam-se a chantagem parlamentar e a dependência política em relação a forças congressuais que defendem suas emendas e cada vez mais hesitam em apoiar a reeleição do atual governo.
A visão predominante é a de que Lula não irá mexer até o final do mandato na estrutura de gastos estabelecida pela PEC da Transição, com aumentos reais do salário mínimo transmitidos para despesas previdenciárias. A dificuldade política de o governo federal avançar na redução das emendas e de benesses bilionárias a setores da economia soma-se à resistência em promover cortes. Cria-se um impasse que favorece decisões casuísticas, tecnicamente discutíveis e politicamente negativas, como o decreto de aumento do IOF.
Do ponto de vista político, Haddad, que vinha aparecendo como referência palatável para o establishment econômico ao se apresentar como espécie de fiador da busca pelo equilíbrio fiscal, vai perdendo prestígio e tornando-se um problema tanto para a esquerda, quanto para a direita.
O ministro, antes sempre lembrado como um possível substituto de Lula caso o presidente decidisse, por algum motivo, recuar da reeleição (ou mesmo como um nome equilibrado e promissor para a gestão econômica em novo mandato), está cada vez mais fraco.
O cenário favorece a oposição e ajuda a fomentar, nos meios conservadores e entre setores do mercado, a sensação de que um candidato de direita com compromissos democráticos básicos e programa privatista poderá vencer em 2026.
É cedo para dizer. Lula, um “animal eleitoral” que detém forte máquina, ainda pode colher resultados econômicos favoráveis —e há por ora uma diferença entre a avaliação do governo e as intenções de voto para o pleito.
Ainda há água a passar sob a ponte. Até lá, veremos.
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Fonte ==> Folha SP