21 de agosto de 2025

Impasse entre STF e EUA pode levar à corrida bancária

Flávio Dino Mangitsky

O fantasma de uma corrida bancária começou a rondar o Brasil em meio à escalada de tensão entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e os Estados Unidos. A decisão do ministro Flávio Dino de proibir a aplicação no Brasil de decisões judiciais e leis estrangeiras – apesar do recuo parcial anunciado depois – foi o estopim do acirramento da crise. Na prática, Dino só reforçou o que diz a lei brasileira, mas serviu como um recado: o STF não está interessado em reduzir a temperatura do conflito.

Nesta quarta-feira (20), intensificando o impasse, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que instituições financeiras brasileiras podem sofrer punições da Justiça se cumprirem ordens dos EUA para bloquear ativos no país. “Esses eventos só aumentam as incertezas”, afirma Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV. “Ontem [Flávio Dino] jogou gasolina na crise, não trouxe nenhuma novidade técnica, jurídica, mas teve impacto político. A postura brasileira tem gerado apreensão sobre qual seria uma possível resposta do governo norte-americano”.

A preocupação dos bancos é imensa e legítima porque eles sabem que a cada movimento, o outro lado tende a dobrar a aposta. A maior parte dos bancos tem filiais, contratos e operações no exterior, regulados pela lei americana. Captam recursos em dólares e estão conectados com sistemas internacionais como o Swift, que permite transações em diferentes moedas. Assim, o setor financeiro ainda está sujeito a sanções e multas bilionárias que podem advir do não cumprimento da Lei Magnitsky.

Se for necessário cancelar as contas do ministro Alexandre de Moraes e o STF não autorizar, o tumulto bancário pode se intensificar rapidamente. A simples suspeita de que um grande banco possa sofrer sanções, ter licenças cassadas nos EUA ou quebrar já seria suficiente para gerar uma onda de desconfiança.

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Cenário extremo proibiria saques nos bancos

Em um cenário extremo, em que hipoteticamente se instalasse a percepção de vulnerabilidade, esse sentimento se materializaria em uma corrida bancária, com milhares de clientes tentando sacar recursos ao mesmo tempo. À medida que mais pessoas retirassem seus fundos, a probabilidade de inadimplência aumentaria, levando ainda mais correntistas a buscar seus depósitos. As reservas do banco não seriam suficientes para cobrir todos os saques.

“Nenhum banco do Brasil ou do mundo tem dinheiro físico para saques em grandes volumes”, diz Carla Beni, economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). “O dinheiro é virtual”.

A situação é considerada improvável, mas as consequências seriam devastadoras, já que a base do sistema financeiro é a “confiança”. “Em uma dimensão hipotética ampla, seria catastrófico, porque o sistema depende da confiabilidade”, diz Moises da Silva Marques, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP) e especialista em risco sistêmico.

Uma corrida bancária geralmente resulta de pânico, e não de insolvência real. No entanto, mesmo sem problemas estruturais, o medo generalizado pode levar um banco à falência. “Se a população começar uma corrida aos bancos, medidas como proibição temporária de saques poderiam ser adotadas, entre outras ações”, explica Marques. Ele ressalta, porém, que o sistema conta há 30 anos com o Fundo Garantidor de Crédito, que garante uma quantia mínima aos depositantes, mitigando o risco de perda total.

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Banco Central deve agir preventivamente

Para o especialista, nestes casos, o Banco Central costuma agir preventivamente monitorando se o banco está perdendo recursos nas reservas bancárias. “O sistema tem um regulador, o BC, que monitora tudo online, e deve agir antes que o problema escale”, diz. “Isso se chama ex-‘safety nets’ — redes de proteção a priori.”

Caso a corrida se configure, resta ao governo e ao Banco Central intervir com medidas de emergência: injeção de liquidez, garantias adicionais de depósitos, intervenção em bancos vulneráveis ou até restrição temporária de saques. “São mecanismos extremos, usados para conter a fuga de recursos e tentar preservar o sistema da falência em série”, explica. O BC pode socorrer um banco para evitar um risco sistêmico. Existe o chamado too big to fail, ou “grande demais para quebrar”.

Marques cita como exemplo o episódio de 1999, com a questão do Banco Marca e do Fonte Sindan no Brasil. Essas instituições estavam muito alavancadas em relação ao dólar e, quando houve uma mudança na banda cambial, instalou-se uma dúvida sobre o risco sistêmico – foi criada até uma CPI dos bancos no Congresso para avaliar a gravidade da situação. “O fato é que o Banco Central precisou socorrer essas instituições, evitando que o problema se espalhasse para o restante do sistema financeiro”, explica.

Exemplos históricos são inúmeros

As corridas bancárias são fenômenos raros, e essas crises causam impactos profundos, podendo afetar até a economia nacional. Ao longo da história, vários países enfrentaram episódios de corridas bancárias, cada um com suas particularidades, mas todos com causas ligadas à perda de confiança, instabilidade política ou crises econômicas.

O primeiro grande episódio de corrida bancária em escala global ocorreu durante a Grande Depressão nos Estados Unidos, entre 1929 e 1933. Após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, milhões de americanos perderam a confiança no sistema financeiro. A causa principal foi o colapso do mercado acionário, aliado à falência de empresas e ao temor de que os bancos não pudessem honrar os depósitos.

O contexto era de um sistema bancário fragmentado e sem seguro de depósitos, o que levou à retirada massiva de recursos pelos correntistas. As consequências foram incalculáveis: milhares de bancos faliram, milhões de pessoas perderam suas poupanças, a retração econômica se acelerou e o desemprego aumentou drasticamente. Como resposta, o governo americano criou em 1933 a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), garantindo depósitos e restaurando parcialmente a confiança no sistema.

Na Argentina, entre 2001 e 2002, a crise econômica e política provocou saques em massa por medo de congelamento de depósitos, resultando no “corralito”, colapso temporário do sistema bancário e protestos sociais.

Na Grécia (2010-2015), a crise da dívida soberana gerou corridas bancárias pelo temor de saída do país da zona do euro. Limites diários de saque, controles de capital e filas gigantescas foram aplicados, e o Banco Central Europeu evitou a quebra total.

O problema na Grécia teve consequências também em Chipre (2012-2013). A exposição dos bancos à dívida grega levou o governo a confiscar parcialmente depósitos acima de €100.000 (“bail-in”). Isso provocou corridas aos caixas eletrônicos, enquanto depósitos menores foram protegidos.

Na Índia (1991-1992), boatos sobre falências e mudanças súbitas na política financeira geraram saques em massa e exigiram controles de capital, mostrando que até crises menores podem abalar a confiança regional.

Para Marques, os episódios ajudaram a desenvolver regulações mais robustas, as quais têm impedido novos episódios. “É importante lembrar que o contexto era diferente. Hoje, com a regulação mais rigorosa e os bancos seguindo Basileia III [conjunto de regras internacionais de regulação bancária], eles contam com diversas redes de proteção. Estamos falando de quase 20 anos depois, e o cenário de proteção bancária mudou muito desde então”, conclui.



Fonte ==> Gazeta

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