Um aviltante quadro de fome generalizada no território inimigo deveria ser suficiente para qualquer Estado engajado em valores humanistas rever sua estratégia militar. Em dissonância com o bom senso e a recomendação de seu próprio Exército, Israel anunciou na quinta-feira (7) um novo processo de ocupação da Faixa de Gaza.
Sob a batuta do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, o gabinete de segurança do país aprovou a ocupação da Cidade de Gaza por suas Forças Armadas, o que implicará a retirada dos cerca de 800 mil palestinos residentes entre os escombros locais. Ao que tudo indica, será projeto-piloto de retomada do território.
A partir da premissa de derrotar o Hamas, Tel Aviv determinou seguidos deslocamentos de civis de um lado para outro da Faixa de Gaza nesses 23 meses de guerra. As iniciativas afligiram desproporcionalmente a grande maioria dos 2 milhões de habitantes do enclave —que também é vítima dos abusos autoritários do Hamas na região desde 2007— sem alcançar tal objetivo.
Netanyahu muito menos logrou, por esse meio, o resgate dos reféns israelenses capturados pelo grupo terrorista durante o ataque brutal de 7 de outubro de 2023. Boa parte dos liberados foi beneficiada por negociação diplomática, via tornada agora tão incerta como improvável.
Como alertou o chefe do Estado-Maior, Eyal Zamir, a escalada militar não garantirá segurança a Israel, muito menos o retorno dos 50 sequestrados remanescentes —entre vivos e mortos. No entanto foi voto vencido no gabinete, dominado por extremistas de direita e amparado pela base ultraortodoxa do Parlamento.
Diante da obtusa decisão, impressiona a exigência de Tel Aviv de incluir a criação de um governo civil na Faixa de Gaza, sem participação do Hamas nem da Autoridade Palestina. Tal tópico mais parece um recurso retórico contra o crescente reconhecimento do Estado Palestino por nações ocidentais.
Se demonstra a intenção de não se apropriar do enclave indefinidamente, a iniciativa não manifesta nenhuma disposição de Israel de reconstruir o território que verteu em ruínas e de responsabilizar-se pela falta de alimentos e de meios mínimos de sobrevivência na Faixa de Gaza.
Em nome da destruição do Hamas, o governo Netanyahu caminha no sentido oposto ao que estimulou a criação de Israel, em 1948. Além das acusações de que promoveria extermínio étnico, causa perplexidade a insistência em repetir erros já condenados pela comunidade internacional.
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Fonte ==> Folha SP