Dizem que é na separação e na divisão de herança que se conhece o verdadeiro caráter de uma pessoa.

Nesta segunda seara, posso dizer que eu e meu irmão passamos com tranquilidade após a recente morte da nossa mãe. Só precisamos disputar (no par ou ímpar) uma coletânea da obra infantil do Monteiro Lobato, numa edição de luxo da Brasiliense.

O patrimônio que ela nos deixou veio todo em livros e discos. Muitos. Em suas prateleiras espalhadas por toda a casa tinha de tudo. E só coisa boa. Todos os clássicos, claro. E o que você imaginar de Clarice Lispector, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Katherine Mansfield, Virginia Woolf, Alice Munro (que eu ainda não conhecia).

Livros de fotos belíssimos —de Augusto Malta a Diane Arbus—, uma infinidade de quadrinhos: Maitena, Mafalda, Crumb, Claire Bretécher, edições especiais dos cartuns da New Yorker.

Entre tudo isso, o que me pegou mesmo foi “Gente”, de Fernando Sabino. São textos publicados nos anos 1970 no Jornal do Brasil em que o cronista entrevistava grandes personalidades, em longas e deliciosas conversas, repletas de observações e comentários sensíveis e jornalisticamente interessantes.

Roberto Carlos tinha 32 anos e já era o tal quando o recebeu no quarto 607 de um hotel. Ele conta que foi recebido assim: “Senta aí, bicho, quer tomar alguma coisa?”. Sabino o descreveu como “um jovem simpático, saudável, quase esportivo”, apesar de notar “uma sombra de melancolia em seu olhar”.

Já sua percepção acerca de Maria Bethânia, também em 1974, foi a de “uma mulher-pássaro, diante do espelho, cabelos presos, roupão amarelo”. Ele segue: “O nariz adunco, os olhos agora voltados para mim, brilhantes como os de um menino olhando por cima do muro do quintal do vizinho: ‘Quer um uísque?'”. Ele quis. E o papo rolou solto por duas horas.

No mesmo ano, entrevistou Pelé, também em um hotel. “Venho encontrá-lo no banheiro, de pijama, fazendo a barba”. A foto, tirada por Sabino, eternizou esse momento. Um dos muitos que fazem valer a pena uma vasculhada nos sebos.

“Gente” é uma joia rara.