Lula na praça Vermelha – 09/05/2025 – Demétrio Magnoli

A imagem mostra um encontro entre dois líderes, um deles está usando um terno escuro e o outro um terno com uma gravata verde e amarela. Eles estão se cumprimentando com um aperto de mão. Ao fundo, há várias pessoas observando, algumas delas vestindo roupas formais. O ambiente parece ser um salão com decoração elegante.

“Celebramos o Dia da Vitória enquanto conduzimos a operação militar especial. Os que estão nas frentes de combate são nossos heróis.” Um ano atrás, no 9 de maio, Putin explicitou o novo sentido da comemoração da rendição nazista de 1945: segundo a propaganda do Kremlin, a Ucrânia “neonazista” representa a reencarnação da Alemanha de Hitler e a guerra de conquista é a retomada da saga épica soviética na Segunda Guerra Mundial. A presença de Lula na praça Vermelha expressa a solidariedade do governo brasileiro à invasão russa.

Bill Clinton estava ao lado de Boris Yeltsin em Moscou, no Dia da Vitória de 1995. Dez anos depois, a Praça Vermelha recebeu o americano Bush, o alemão Schroeder, o francês Chirac e o japonês Koizumi. O afeto encerrou-se com a primeira invasão da Ucrânia, em 2014: as democracias ocidentais só enviaram embaixadores à parada militar dos 70 anos, em 2015.

A guerra imperial deflagrada em 2022 endureceu o boicote. Neste 2025, Putin teve a companhia do aliado Xi Jinping, dos líderes de países-satélites como a Belarus, do chefe militar de Burkina Faso, que é sustentado por mercenários russos, do eslovaco Robert Fico, um conservador ultranacionalista, e dos ditadores de Cuba e Venezuela. Além, claro, de Lula. O pajem brasileiro, representante solitário de uma grande democracia, figurou como troféu, uma espécie de escalpo do autocrata russo.

A cumplicidade ativa do governo brasileiro com a guerra de conquista é lida como gesto de hostilidade numa Europa que, abandonada pelos EUA, vive sob potencial ameaça militar russa. Os europeus viraram as costas a Bolsonaro, declararam apoio à democracia brasileira e, aliviados, celebraram a vitória de Lula. Por isso, não escondem sua perplexidade diante do amparo diplomático do Brasil ao expansionismo de Putin.

Lula conhece seu valor como troféu –e almeja, em troca, um lugar à mesa das elusivas negociações de paz. Depois de ser ignorado pelas potências nos temas globais da própria Ucrânia e da Palestina, e de fracassar de modo humilhante no teatro regional da Venezuela, busca novamente um lugar ao sol. Dessa vez, há uma chance de sucesso, pegando carona do comboio de Trump.

“Paz”, palavra linda, tem variadas utilidades. À sua sombra, em 1938, Chamberlain e Daladier entregaram os Sudetos tchecos à Alemanha nazista. Há pouco, Trump a invocou para oferecer aos extremistas israelenses um pacto pela expulsão dos palestinos de Gaza. Agora, sob o mesmo álibi, esboça um roteiro de capitulação da Ucrânia esculpido de modo a presentear a Rússia com o triunfo que suas forças não conseguem alcançar no campo de batalha. Nele, delineia-se a oportunidade de Lula.

Trump reproduz, linha por linha, a narrativa do Kremlin. A nação invadida teria deflagrado as hostilidades. A raiz do conflito estaria no desejo ucraniano de adesão à Otan. Daí que, “sem nenhuma carta na mão”, a Ucrânia pagaria o preço da paz, pela cessão de um quinto de seu território e pela renúncia a garantias de segurança. Bem antes de Trump, ainda em 2023, tentando credenciar-se como mediador do conflito, Lula formulou sentenças similares. Hoje, graças ao desfecho da eleição nos EUA, encontra a ocasião para brilhar num palco iluminado, no papel de cúmplice tropical do neoimperialismo russo.



Fonte ==> Folha SP

Leia Também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *