27 de junho de 2025

Mais uma mulher morta por dizer não – 22/06/2025 – Giovana Madalosso

Movimentos sociais e estudantes durante ato pelo Dia das Mulheres na avenida Paulista

É uma cena terrível de se imaginar: um homem mata uma mulher. Depois pede ajuda ao filho para ocultar o crime. Os dois transportam o corpo até um matagal na região metropolitana de Curitiba, onde o pai enterra a vítima, uma garota de 23 anos.

Seu nome era Raíssa. E o que ela fez foi falar não, não vou com você, ao descobrir que o assassino, um humorista que se dizia apaixonado por ela, inventara uma oferta de emprego falsa para atraí-la para outra cidade. Diante da recusa da garota e da discussão que tiveram, o humorista “perdeu a cabeça” e estrangulou-a.

O advogado do humorista disse que “ele foi arrastado pelas barras da paixão a essa situação que foge, evidentemente, do normal”.

Parece que a nossa sociedade não entendeu, até hoje, do que se trata o amor e a paixão. Infelizmente, a ocorrência também não foge tanto “do normal”.

No mesmo dia, 2 de junho, quando o humorista estrangulava Raíssa, um auxiliar de limpeza esfaqueava Taís Bruna em Jundiaí, como contei na minha última coluna. Taís Bruna também foi morta por dizer não. Não quis ter um relacionamento com o auxiliar de limpeza, que alegou se sentir rejeitado.

Conversei com o irmão de Taís que, além de triste, estava carregado de perplexidade. Na coluna que publiquei neste mesmo jornal, na semana passada, fazendo um tributo à Taís, que “morreu sem conhecer as praias do Nordeste”, como sonhava, os comentários também eram tomados de perplexidade e, às vezes, de falta de entendimento.

Depositar toda a culpa na paixão ou no desequilíbrio mental de tal ou tal indivíduo é dar as costas para a raiz do problema: muitos homens matam mulheres porque, no fundo, as consideram cidadãs de segunda linha. E porque se sentem ultrajados: como estas mesmas cidadãs de segunda linha ousam dizer não para eles, criados para serem atendidos e satisfeitos pelas mulheres?

Talvez seja difícil reconhecer em si o desprezo pelo gênero feminino, mas a latência desse triste traço cultural, comum a tantas pessoas, grita nos números.

No Brasil, quatro mulheres são assassinadas por dia em contextos de violência doméstica, familiar ou por menosprezo e discriminação de gênero. Só em 2024, foram 1.459 vítimas, número recorde na série histórica. E esta é apenas a ponta do problema. Há milhares de outras estupradas. Milhões agredidas ou abusadas. E, na outra ponta, milhões insultadas diariamente por piadinhas e comentários preconceituosos que, para alguns, podem parecer inocentes, mas acabam por pavimentar o caminho para os desdobramentos mais graves da misoginia.

No Rio Grande do Sul, em um único dia, seis mulheres foram vítimas de feminicídio. O que a sociedade sinaliza para os homens e para os meninos quando se cala diante desses números? O que um pai ensina a um filho ao diminuir uma mulher? O que ensina ao agredir? Ou ao chamar qualquer uma de vagabunda?

O que uma mãe ensina ao filho quando coloca a irmã, da mesma idade, para limpar a casa e servir o garoto? O que ensinamos às crianças quando tratamos meninos diferente de meninas?

Daqui a um ano, mais mil e tantas brasileiras serão mortas por serem mulheres. “Nenhuma a mais” não pode mais ser um grito restrito apenas à garganta das feministas.



Fonte ==> Folha SP

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