Não que prêmios sejam régua para medir a literatura de ninguém. E tampouco faltam troféus nas prateleiras de Marina Colasanti, uma das mais premiadas escritoras brasileiras, que morreu nesta terça-feira, dia 28, aos 87 anos.
Ao longo de quase 60 anos de carreira, da estreia com “Eu Sozinha” à consolidação como uma das autoras de histórias para crianças e jovens mais provocadoras do mundo, Colasanti colecionou reconhecimentos atrás de reconhecimentos.
Foram mais de 20 prêmios da FNLIJ, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, e quase uma dezena de Jabutis —entre eles, o de melhor livro de ficção de 2014, com o infantojuvenil “Breve História de um Pequeno Amor”. Em 2023, recebeu o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. Internacionalmente, venceu o Concurso Latinoamericano de Cuentos para Niños, do Unicef, o Prêmio Norma de Literatura Infantil e Juvenil, o Prêmio Iberoamericano SM e ficou em terceiro lugar no Portugal Telecom, que depois se tornou Prêmio Oceanos, entre outros.
Por isso, editores, escritores, agentes literários, jornalistas e toda a fauna ligada à literatura infantojuvenil comentava que era questão de tempo até que a escritora vencesse também o prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel dos livros para essa faixa etária.
Só que isso não ocorreu. Colasanti morreu nesta terça sem ter sido reconhecida por uma das premiações mais importantes do mundo, apesar de ter sido finalista dela algumas vezes —inclusive na última edição, no ano passado, quando o vencedor da categoria para escritores foi o austríaco Heinz Janisch.
A obra de Colasanti para crianças e adolescentes ajudou a revolucionar a literatura brasileira ao ignorar as famosas —e sufocantes— morais da história, preferindo agarrar-se às ambiguidades da literatura e construir seus contos, crônicas, romances e poemas com os mesmos tijolos usados por nomes como irmãos Grimm, Charles Perrault e outros autores incontornáveis. Mas sempre de uma maneira contemporânea, brasileira e latino-americana, sem jamais subestimar a inteligência e a sensibilidade do leitor.
“Há um certo demérito ligado à literatura infantil, como se ela fosse uma coisa que qualquer pessoa pudesse fazer bem. Poder todo mundo pode, né? Fazer bem é outra coisa”, disse a escritora em uma entrevista para mim em 2014. “Veja bem. Se algum brasileiro ganhasse o Nobel de Literatura, você tem ideia do que aconteceria. Mas três brasileiros já venceram o Andersen. E muita gente nem sabe disso.”
A autora fazia referência a Lygia Bojunga, Ana Maria Machado e Roger Mello, os três autores do país que receberam o troféu até o momento. Enquanto as duas primeiras ganharam na categoria para escritores, Mello foi contemplado entre os ilustradores.
Colasanti tinha tudo para ser a quarta premiada. Ao não ser, ela escancara a verdadeira natureza desse tipo de premiação e as engrenagens que giram no subsolo desses prêmios —algo ainda mais importante neste ano, em que o Brasil está indicado a três categorias do Oscar com “Ainda Estou Aqui”. É claro que essas láureas são, sim, importantes. Mas, nem de longe, elas medem a qualidade artística de quem quer que seja, vencedores ou perdedores.
A autora de títulos como “Uma Ideia Toda Azul” e “Ana Z., Aonde Vai Você?” se junta agora a outros nomes monumentais da literatura brasileira, entre eles Bartolomeu Campos de Queirós e Angela Lago, que tampouco venceram o Andersen ou o Alma, sigla do sueco Astrid Lindgren Memorial Award, mais um dos badalados canecos internacionais do livro infantil.
Ela se une ainda a Guimarães Rosa, James Joyce, Tolstói, Virgina Woolf, Marcel Proust, Jorge Luis Borges e todo um time de escritores ignorados pelo Nobel de Literatura pelos mais variados motivos.
No fundo, o que ocorre é o inverso do que pensa o senso comum. São os prêmios que ficam menores sem esses nomes entre os seus contemplados. Perde o Andersen, que se apequena por não ter aproveitado a oportunidade de premiar Marina Colasanti. Porque sua literatura está aí. Viva. E vai ficar por um bom tempo.
Fonte ==> Folha SP