19 de abril de 2025

Mequetrefe de alta patente – 08/04/2025 – Bia Braune

No cartum de Marcelo Martinez, um quadro do Sargento Tainha (personagem do cartunista Mort Walker, criado para a clássica tira

“Ele é general quatro estrelas, Zuma. É o tal!” “Será, Vera Lúcia? Tanta coisa precisando de cinco estrelas para ser considerada boa. Por que milico tem estrela a menos?” “Aí não sei, não entendo dos altos escalões da pátria… Confia e pronto: o General Bicudo vai tirar o Miltinho dessa!”

Desde que seu caçula havia sido convocado para o Exército, Tia Zuma não conhecia um minuto de paz. Banhada por um suor alheio aos fogachos da menopausa, ela acordava antes do toque de alvorada e do “Telecurso Segundo Grau” na TV. “Miltinho mal terminou o supletivo. Vai sobreviver como à caserna??? A vida dele é ser cabeludo e fazer cover do Raul Seixas!” Daí soluçava, bem mãe. “Ele não quer nada com a Hora do Brasil, mas é meu filho…”

Após a dica da vizinha de porta, que tinha o contato do tal general, titia tratou de escrever uma carta. Gastou tinta da antiga caneta Parker na sua melhor caligrafia de professora, solicitando a dispensa de Miltinho. “Ele sofre de asma, tem alergia a porco, quase morre comendo enroladinho de salsicha.”

Bicudo acusou o recebimento da missiva, retrucando com um telegrama que Tia Zuma, exultante, por pouco não mandou emoldurar. “Farei o possível, PT Aguarde notícias PT saudações.” Lembrando que, naquela época, “PT” de general era abreviatura de “ponto”.

Corta para: Tia Zulma rasgando o telegrama, aos prantos. Miltinho indo embora, na metamorfose ambulante de sua cabeça raspada. Tudo isso e relatos sobre marchas na lama, acampamentos inóspitos e um feijão com paio que se revelou um pedaço de rato.

O tiro de misericórdia no peito já devastado de Tia Zuma, porém, foi descobrir que Tio Moacir, terceiro-sargento sem qualquer galardão, medalha ou estrela —apenas imensa boa vontade—, teria conseguido facinho o que o Bicudão deixou pra lá.

Foi então que titia disse, olhando fundo nos meus olhos e nos da boneca Susi que eu já preferia à Barbie. “Aprenda aqui, minha filha: não se pode confiar em nomão. Sempre há de ser o mais humilde que irá nos ajudar: o mequetrefe inestimável!”

A partir daí, me agarrei a essa noção vida afora. A de que não existe honraria maior, quiçá nobreza igualável, à de ter ou ser um mequetrefe inestimável na vida de alguém. Ricos, famosos, poderosos, gente com selinho de verificação: estão todos fingindo não ser ou se sentir mequetrefes. Só o mequetrefe inestimável assim o é. PT, saudações.



Fonte ==> Folha SP

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