Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) para os territórios palestinos ocupados desde 1967 denuncia o envolvimento direto de 48 empresas no financiamento e sustentação da máquina de guerra israelense responsável pelo massacre de Gaza. O documento, publicado no dia 30 de junho, classifica o atual estágio de agressão como uma “economia do genocídio” e destaca o papel dessas corporações na manutenção da ocupação, do apartheid e da limpeza étnica do povo palestino.
Intitulado Da economia de ocupação à economia de genocídio (From economy of occupation to economy of genocide, no original), o documento é assinado pela relatora especial Francesca Albanese e aponta que empresas de setores variados, incluindo fabricantes de armas, empresas de tecnologia e construtoras, lucram com a destruição sistemática da Palestina. “O genocídio, ao que parece, é lucrativo”, escreveu Albanese em publicação na rede X.
“Essas entidades permitem a negação da autodeterminação e outras violações estruturais no território palestino ocupado, incluindo ocupação, anexação e crimes de apartheid e genocídio, bem como uma longa lista de crimes acessórios”, afirma o documento.
This is not business as usual.
My new UN report, From Economy of Occupation to Economy of Genocide, is out today.
It shows how corporations have fueled and legitimised the destruction of Palestine.
Genocide, it would seem, is profitable. This cannot continue, accountability must… pic.twitter.com/Ei3atw0TQ1— Francesca Albanese, UN Special Rapporteur oPt (@FranceskAlbs) July 1, 2025
Gigantes globais envolvidas
Para a elaboração do documento, a relatora desenvolveu um banco de dados com aproximadamente mil entidades corporativas em todo o mundo. O relatório descreve detalhadamente o papel das 48 empresas em atividades que sustentam a ocupação ilegal e a campanha militar de Israel contra a população palestina. Muitas dessas empresas são estadunidenses.
Entre elas estão:
- Microsoft, citada por manter seu maior centro de pesquisa e desenvolvimento fora dos Estados Unidos em território palestino ocupado, com tecnologia integrada ao sistema prisional, forças armadas, universidades e escolas, inclusive em assentamentos ilegais;
- Amazon, acusada de operar diretamente em assentamentos, sustentando sua economia e promovendo entregas de forma discriminatória;
- Google, que junto da Microsoft e da Amazon recebeu recursos do Ministério da Defesa israelense para fornecer infraestrutura digital e serviços em nuvem ao regime israelense.
Empresas do setor de engenharia e automotivo também são mencionadas, como a Hyundai, da Coreia do Sul, e a Volvo, da Suécia, ambas acusadas de fornecerem equipamentos utilizados na demolição de casas palestinas e construção de assentamentos ilegais. A Chevron aparece por fornecer gás natural e ser coproprietária de gasodutos que abastecem Israel, enquanto empresas como Booking e Airbnb são citadas por listarem propriedades em assentamentos ilegais.
Até mesmo o fundo soberano da Noruega, considerado o maior do mundo, foi apontado por aumentar seus investimentos em empresas israelenses durante os bombardeios em Gaza.
O documento salienta que a lista apresentada é apenas “a ponta do iceberg” da cumplicidade corporativa e da estrutura de envolvimento empresarial. A relatora conclui que as relações corporativas com Israel devem cessar até que a ocupação e o apartheid terminem e as reparações sejam feitas.

Conclusões e recomendações
A análise legal de Albanese reforça que, sob a luz de normas do direito internacional, as corporações têm obrigações de não envolvimento em violações dos direitos humanos. O documento enfatiza que “negócios, como de costume,” não são neutros. O relatório pede ainda o fim das relações corporativas com Israel “até que a ocupação e o apartheid terminem e sejam feitas reparações”.
“O setor corporativo, incluindo seus executivos, deve ser responsabilizado como um passo necessário para acabar com o genocídio e desmantelar o sistema global de capitalismo racial que o sustenta”, diz o texto.
A relatora especial pede que os Estados membros da ONU imponham sanções e um “embargo total” a Israel, e, à sociedade civil, que boicote as empresas que financiam o genocídio palestino. Além disso, pede que a Corte Penal Internacional e os Judiciários nacionais investiguem e processem executivos e entidades corporativas por sua participação na prática de crimes internacionais.
O relatório finaliza afirmando que as atrocidades testemunhadas globalmente exigem responsabilização e justiça urgentes, o que demanda ações diplomáticas, econômicas e legais contra aqueles que mantiveram e lucraram com uma economia de ocupação que se tornou genocida.

Brasil: diplomacia do verbo
Embora o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha dado declarações duras, nas quais qualifica a situação em Gaza como um “genocídio premeditado”, o governo brasileiro tem se esquivado de pedidos públicos para que o país rompa relações diplomáticas e comerciais com o regime israelense.
Em maio, um grupo de intelectuais, acadêmicos e artistas, entre eles o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, e o escritor, cantor e compositor Chico Buarque, e os escritores Jessé Souza e Raduan Nassar, divulgou carta aberta nesse sentido. No dia 18 de junho, movimentos populares e políticos saíram às ruas de diversas cidades do país pedindo o rompimento das relações com o Estado sionista.
Em reunião com parlamentares de esquerda, o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, afirmou que o governo brasileiro estuda novas ações de pressão contra Israel, sobretudo em relação aos acordos de cooperação militar existentes. No entanto, o embaixador descartou, a princípio, o rompimento de relações com Israel por se tratar de um tema “complexo”.

Respostas das empresas
O Brasil de Fato entrou em contato com as empresas mencionadas nesta matéria. Em nota, a Booking informou que não cabe à empresa “decidir para onde alguém pode ou não viajar”. “Seguimos acompanhando de perto essas situações, inclusive possíveis mudanças legais, e aplicamos com rigor os princípios e procedimentos descritos em nossa Declaração de Direitos Humanos, assim como fazemos em todas as regiões do mundo com disputas ou em situação de conflito”, conclui o texto.
A Volvo, também por nota, afirmou que mantiveram “contato com a relatora para esclarecer os fatos e dialogar sobre o trabalho realizado na área de direitos humanos”. “Naturalmente, não desejamos que nossos produtos sejam utilizados para violar os direitos das pessoas, mas, como nossos produtos têm vida útil longa e muitas vezes passam por várias mãos, infelizmente há um limite para o controle ou influência que podemos exercer sobre como e onde eles são utilizados ao longo de sua vida útil”, diz.
“Para evitar equívocos, não somos o tipo de ‘fornecedor passivo’ mencionado pela relatora no relatório; pelo contrário, levamos muito a sério nossos compromissos com o respeito aos direitos humanos e atuamos ativamente no aprimoramento de nossos processos de devida diligência”, diz aVolvo. A nota destaca, ainda, que a empresa não tem operações próprias na Palestina ou em Israel, mas que há venda por meio de revendedores.
Os demais posicionamentos serão incluídos no texto à medida que forem recebidos.
Fonte ==> Brasil de Fato