Não há transição energética sem mineração. Essa verdade exige a desconstrução de narrativas polarizadas. Tudo ao nosso redor –do smartphone à energia renovável– depende da mineração. Ter esses avanços sem a atividade mineral seria como produzir chocolate sem cacau.
A Lei de Gresham nos ensina que a moeda má tende a expulsar a moeda boa. Na mineração, isso significa que práticas exploratórias e de curto prazo muitas vezes prevalecem sobre as responsáveis. Esse paradoxo reflete a ambivalência da mineração: ora a boa menina má, ora a má menina boa. Essencial para tecnologias verdes, mas carregada de consequências ambientais, a atividade ocupa um lugar central e contraditório no progresso humano. Práticas responsáveis, no entanto, podem minimizar danos.
O Brasil ocupa posição estratégica nesse setor, sendo um dos maiores produtores globais de minério de ferro, bauxita, manganês, níquel e nióbio –todos essenciais para tecnologias limpas. Segundo o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), o segmento gerou R$ 56,7 bilhões no terceiro trimestre do ano passado. No entanto, há o desafio de mensurar a sustentabilidade da mineração, avaliando seus impactos sociais e ambientais.
Reconhecer a mineração como uma atividade de interesse público é fundamental, mas é igualmente indispensável que ela se alinhe a modelos sustentáveis, como a economia circular, que prioriza a reciclagem, o reaproveitamento de resíduos e a incorporação de critérios ESG. Dados da ONU (Organização das Nações Unidas) e do Relatório Luz destacam o atraso global e brasileiro no cumprimento de metas climáticas e sociais. Sob essa perspectiva, integrar critérios de sustentabilidade na indústria mineral apresenta-se como uma resposta prática para mitigar impactos ambientais, promover justiça social, reforçar a transparência e assegurar operações responsáveis que gerem valor de longo prazo.
O futuro e a credibilidade da mineração dependem de sua capacidade de reinvenção. Tecnologias como sensores para monitoramento ambiental em tempo real e automação, aliada a uma governança robusta e transparente que promova práticas como a economia circular, o reaproveitamento de rejeitos e o engajamento comunitário são condições essenciais para uma mineração responsável.
A adoção de tecnologias de mineração a seco, amplamente utilizada em países como a Austrália para eliminar o uso de barragens, ainda incipiente no Brasil, e iniciativas como a reutilização de resíduos de mineração em pavimentação ou a transformação de rejeitos de bauxita em cimento sustentável evidenciam que transformar o setor é viável. Essas práticas reafirmam o direito de minerar, associado ao dever inalienável de preservar o ecossistema impactado.
No final, a mineração não é vilã nem heroína. Ela incorpora o paradoxo da boa menina má ou má menina boa, exigindo que decidamos: seremos cúmplices de seus excessos ou protagonistas de sua transformação?
A chave talvez esteja em aliar responsabilidade socioambiental, projetos sustentáveis, inovação tecnológica e economia circular para prolongar o ciclo de vida dos materiais e reduzir a dependência da extração contínua.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte ==> Folha SP