26 de abril de 2025

‘Não é falta de dinheiro, é prioridade política’, diz especialista em seminário sobre tarifa zero no DF   – Brasil de Fato

Nesta sexta-feira (25), urbanistas, pesquisadores e parlamentares se reuniram na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) para o Seminário Tarifa Zero. O evento promoveu dois painéis com o objetivo de debater os impactos sociais, econômicos e urbanos dos modelos atuais de transporte, bem como apontar caminhos para a construção de propostas viáveis para um sistema de transporte coletivo gratuito no DF. A iniciativa está ligada ao estudo de um projeto de lei sobre tarifa zero, atualmente em discussão e desenvolvimento na CLDF.

Segundo dados apresentados durante o encontro, o Brasil já conta com 127 municípios que adotaram a gratuidade no transporte público. A defesa da política como direito e instrumento de justiça social foi o eixo comum entre os participantes.

Justiça social, investimento público e combate ao racismo estrutural

O primeiro painel trouxe especialistas em transporte e mobilidade urbana, que abordaram a tarifa zero como política pública estratégica, socialmente justa e antirracista. Com mediação do professor Thiago Trindade, do Instituto de Ciência Política da UnB, o debate reforçou que a gratuidade no transporte é uma escolha política – e não apenas uma questão técnica e econômica.

A secretária da Comissão de Transporte da CLDF, Fernanda Azevedo, apresentou as diretrizes da minuta de projeto de lei que está está sendo desenvolvida na Casa. Entre os princípios estão: implementação progressiva do sistema, fortalecimento das gratuidades existentes, criação de conselhos populares de fiscalização e diversificação das fontes de financiamento, incluindo taxação de grandes empreendimentos, bem como o redirecionamento de recursos para o setor de mobilidade urbana.

O estudo teve como referência cidades no Brasil que implementaram a tarifa zero, como Maricá (RJ), São Caetano (SP), Formosa e Luziânia (GO). Azevedo destacou os impactos positivos nessas cidades, como o aumento de demanda pelo transporte público, acesso ampliado a serviços essenciais como saúde e educação, assim como a redução da desigualdade territorial.

Giancarlo Gama, cientista político e diretor da Jevi Cidades, afirmou que 90% das cidades com tarifa zero investem menos de 2% de seus orçamentos no sistema. “Não é falta de dinheiro, é prioridade política. Mais de 95% das cidades brasileiras não investem um centavo em transporte público”, alertou. Gama também criticou o modelo de remuneração pelo Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK), que segundo o pesquisador incentiva superlotação e desqualifica o serviço de transporte.

O cientista político Giancarlo Gama participa da audiência. Luan h bastos/Gab. Max Maciel

Daniel Santini, da Fundação Rosa Luxemburgo, lembrou que, na última década, o transporte coletivo perdeu 30% de seus usuários, sobretudo nas grandes cidades, devido à precarização, à uberização e à motorização individual. “A tarifa zero tem demonstrado estabilidade. A maioria dos municípios que a adotaram mantiveram a política. Ele também defendeu o fim do IPK “A mudança dos contratos de concessão é urgente.”

Já a urbanista e antropólogo Paíque Santarém trouxe a perspectiva racial para o debate. Segundo ele, o transporte coletivo no Brasil foi historicamente estruturado como um mecanismo de controle da população negra. “Tratar o transporte como carga – e não como direito – reproduz a lógica colonial e racista. A tarifa zero rompe com essa lógica violenta. É uma política concreta de reparação.”

O professor Paulo César Silva, da Faculdade de Engenharia da UnB, reforçou a crítica ao modelo IPK. “O custo operacional de uma viagem varia pouco com a lotação. Remunerar por passageiro é técnica e financeiramente insustentável.” Para ele, a remuneração deve considerar a qualidade e a frequência do serviço. Silva lembrou ainda que a Política Nacional de Mobilidade Urbana já permite que o Estado assuma o custeio do sistema, desvinculando a tarifa pública da remuneração ao operador.

“A Tarifa Zero nos convida a pensar que tipo de cidade queremos construir: uma cidade para poucos, excludente e segmentada, ou uma cidade viva, plural e acessível a todas as pessoas? Esse debate não é sobre ônibus, é sobre democracia”, encerrou Thiago Trindade, do Instituto de Ciência Política da UnB e mediador da mesa.

Direito à cidade e transição justa

Presidindo a sessão por meio da Comissão de Transporte, Trânsito e Mobilidade Urbana da CLDF, o deputado distrital Max Maciel (Psol-DF) destacou a necessidade de integrar o planejamento urbano à política de mobilidade.

“Quando penso em um bairro novo com 100 mil habitantes, preciso pensar também em novos ônibus, novos modais. Isso tem um custo. E esse custo não pode ser avaliado apenas sob a ótica financeira, mas pelos impactos sociais”, afirmou. O parlamentar também criticou a visão limitada sobre os custos do transporte ferroviário: “O metrô custa caro? E quanto custa um acidente de trânsito? E o impacto na saúde pública e na segurança viária?”.

Para Maciel, a tarifa zero está conectada à transição energética e à redução da desigualdade no acesso à cidade. “A gente precisa falar com seriedade sobre transição energética como um caminho viável para a mobilidade urbana. O Brasil vai sediar a COP 30 neste ano, e é exatamente esse o espaço onde vamos discutir a eletrificação, os modais sustentáveis e os impactos do uso excessivo de automóveis nas cidades”. 

“O carro é o maior poluente e o maior arrecadador de ICMS no DF. Isso é um paradoxo. Precisamos de coragem para enfrentá-lo com políticas públicas que priorizem modais coletivos, limpos, seguros e acessíveis.”

Maciel apresentou parte do estudo técnico desenvolvido pela subcomissão nos últimos dois anos. A proposta, construída com apoio de especialistas e movimentos sociais, aponta que a ampliação do transporte público gratuito para os sete dias da semana poderia aumentar em mais de 160 mil o número de usuários. O custo anual passaria de R$ 1,8 bilhão para cerca de R$ 4 bilhões. Em contrapartida, o DF concede atualmente cerca de R$ 9 bilhões em isenções fiscais a empresas. “É uma questão de prioridades”, destacou o parlamentar.

Críticas ao modelo atual e caminhos para o financiamento

O deputado distrital Fábio Felix (Psol-DF) reforçou a visão de que mobilidade urbana deve ser tratada como um direito fundamental. “Falar de mobilidade é falar de todas as políticas públicas, de para quem a cidade serve e como a gente pensa a cidade para as pessoas”, afirmou.

Felix criticou a falta de transparência na gestão do transporte público, lembrando que, durante a pandemia, o DF repassou recursos do passe livre estudantil às empresas mesmo com as aulas suspensas. “Isso gera desconfiança sobre o modelo atual e reforça a necessidade de revisão dos contratos e de um novo pacto com a população.”

Ele defendeu que a lógica rodoviarista seja superada. “Mais de 200 viadutos não resolverão os problemas da cidade. Ou se pensa a mobilidade de forma coletiva e sustentável, ou seguimos aprofundando as desigualdades.” Para o parlamentar, a tarifa zero é uma alternativa concreta e viável, desde que acompanhada de transparência e reestruturação dos contratos com as empresas.

Representando o Governo do Distrito Federal, o subsecretário de Operações da Secretaria de Estado de Transporte e Mobilidade (Semob), Márcio Antônio, apresentou os resultados do programa “Vai de Graça”, que garante gratuidade aos domingos. 

“Tivemos um aumento médio de 50% na demanda aos domingos, com picos superiores a 60%. Saímos de uma média de 277 mil passageiros para mais de 440 mil sendo transportados em um único domingo”, afirmou. “Foi possível a implementar com baixo custo adicional porque a estrutura já existia”, explicou.

Ele reconheceu, no entanto, que uma expansão da política exigirá investimentos estruturais para uma eventual expansão do programa para todos os dias da semana. “Atualmente, todos os 3 mil ônibus do DF operam de segunda a sexta. Se ampliarmos a gratuidade, será necessário reforçar a frota e garantir recursos para custeio. Por isso, precisamos discutir com responsabilidade a criação de um fundo específico.”

Caminhos coletivos para um futuro com tarifa zero

O último painel reuniu representantes de movimentos sociais atuantes em mobilidade urbana para debater a tarifa zero como um direito coletivo e transformador. Ana Vaz (MPL-DF) destacou que “discutir transporte público gratuito vai muito além do deslocamento: trata-se de reivindicar o direito à cidade”. Segundo ela, a pauta deixou de ser utopia e se tornou uma realidade em expansão: Queremos um sistema público, gratuito e gerido com participação popular — como o SUS, mas para o transporte.”

O professor da Universidade de Brasilia (UnB) Benny Schvasberg alertou para o esgotamento do modelo urbano centrado no carro e defendeu o transporte gratuito como eixo de um novo projeto de cidade. “Estamos chegando a uma taxa absurda de motorização, insustentável em qualquer cidade do mundo.” Para ele, o centro da cidade deve ser acessível a toda a população: O centro não é só do Plano Piloto, é de toda a cidade metropolitana.”

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Fonte ==> Brasil de Fato

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