20 de abril de 2025

O Abril Amarelo de Jorginho Mello – BrCidades – CartaCapital

O Abril Amarelo de Jorginho Mello – BrCidades – CartaCapital

Em 12 de fevereiro de 2025, o governo de Santa Catarina sancionou a lei 19.226/2025, contra as ditas “invasões de terra”. Trata-se do “Abril Amarelo” em defesa da propriedade privada. O texto fala da união entre proprietários e produtores para “montar acampamento permanente para evitar a ‘invasão’”, bem como de promover campanhas para conscientização e valorização da propriedade privada.

A iniciativa é uma clara tentativa de se opor ao Abril Vermelho, como é conhecida a campanha do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) que ocorre no mesmo mês, realizada para fazer valer a reforma agrária e que inclui ações como ocupações de terras e outras reivindicações.

O projeto surge em um momento em que a política do governador Jorginho Mello (PL) se baseia, em grande medida, em adotar uma postura cada vez mais radicalizada de extrema-direita. Isso inclui desde reuniões frequentes com o presidente da Argentina, Javier Milei, a defesa de Bolsonaro e dos golpistas de 8 de Janeiro, até tentativas desesperadas de “esconder” do restante do País as fortes chuvas que atingiram as cidades catarinenses no início do ano, além da remoção das informações sobre a qualidade da água das praias para não prejudicar o setor turístico na alta temporada.

O fato é que a Santa Catarina de Jorginho é muito diferente daquela vivida pelos mais de 7,6 milhões de catarinenses. O que temos é um cenário de crescimento da violência no campo e nas cidades em operações de despejo, em paralelo ao aumento da desigualdade de renda, e explosão do valor do metro quadrado e dos aluguéis.

Nosso estado abriu 2025 entre os cinco mais caros do País em preço do metro quadrado – todos no litoral, conforme nos informa a primeira divulgação da FipeZap de 2025. Ainda, a capital Florianópolis aparece como a quinta cidade com o valor do metro quadrado para aluguel mais caro do País na mesma pesquisa.

Diferentemente do governo, o MST, assim como os movimentos de moradia e lutas territoriais em geral, trabalha e muito. Em nosso estado, o MST mobiliza mais de seis mil famílias, que vivem em mais de 140 assentamentos. São mais de 70 mil hectares voltados a agroecologia, educação popular e construção de outro projeto de sociedade. Os territórios ainda contam com 26 escolas e oito cooperativas, fora outros empreendimentos, como rádios comunitárias, projetos de saúde e feiras. Tudo isso com oposição direta de Jorginho, que se recusa a contratar trabalhadores essenciais para as escolas do campo, como ocorreu na Escola 25 de Maio, no assentamento Vitória da Conquista, em Fraiburgo.

Ao mesmo tempo, os povos indígenas que defendem o bioma mais desmatado desde a colonização, a Mata Atlântica, seguem tendo suas terras invadidas e griladas e sua existência ameaçada com apoio do mesmo governo. As violências na esfera estadual incluem desde a defesa da falida tese do Marco Temporal, que recentemente repercutiu na suspensão da demarcação da T.I. Toldo Imbu, em Abelardo Luz, até ações diretas, como o fechamento das comportas da barragem de Taió durante as fortes chuvas de outubro de 2023, causando a inundação da T.I. Ibirama-Laklãnõ, que já é atacada pela tese do marco há mais de uma década.

Mas não é só contra os indígenas que o governo do estado ocupa um lugar privilegiado como causador de tragédias. Jorginho Mello também conduz uma política contra pequenos agricultores e trabalhadores urbanos periféricos.

Nos últimos anos, só em Florianópolis, ocorreram dois rompimentos de estruturas da empresa estadual de saneamento, sucateada pela ideologia do Estado mínimo. O primeiro deles atingiu cerca de 75 casas vizinhas à Lagoa da Conceição, que também foi poluída pelas águas que verteram da estação de tratamento de esgoto em 2021. E o segundo aconteceu em 2023, com o rompimento de um reservatório no bairro Monte Cristo, inundando mais de 100 edificações e afetando cerca de 200 famílias.

Além disso, a Usina Hidrelétrica (UHE) São Roque, construída sobre os rios Canoas e Marombas, localizada no município de Brunópolis em uma área que afeta ainda outros dois municípios da região, recebe pouca atenção do governador. Contrariando o parecer de técnicos do Instituto Estadual do Meio Ambiente (IMA), a empresa Engevix encheu o reservatório da usina sem o cumprimento do seu plano básico ambiental e inundou uma área de mais de cinco mil hectares, impactando cerca de 1,3 mil pessoas e 700 famílias, segundo o MPF. Um incidente que, por conta das pequenas dimensões dos municípios, tem uma proporção gigantesca na região onde se concentram os piores IDHs do estado. De 2022 até aqui, o governo do estado ignora as reivindicações dos pequenos agricultores atingidos por barragens, mesmo nos pedidos mais básicos como fornecimento de energia e transporte, ou reparação justa pela perda de suas culturas e plantações.

Todos os exemplos acima citam setores importantíssimos do nosso povo, que dão contribuições enormes ao nosso estado. Seja colocando alimentos nas mesas das casas e escolas, seja trabalhando dia e noite nas cidades “que mais crescem no País” (como quer o marketing de praticamente todo o nosso litoral), ou na preservação dos saberes e das culturas originárias e do meio ambiente. Nenhum desses grupos terá os seus direitos atendidos pelo Abril Amarelo e dificilmente eles serão citados nas programações que o governo criará no mês. No meio dos ataques aos movimentos sociais que louvam a propriedade privada, nos perguntamos: por que o governo do estado quer atacar quem produz e trabalha? Afinal, é disso que se trata a nova comemoração no calendário.

O projeto de lei carrega mais do que uma cor, é parte de uma luta cultural que se opõe a símbolos e a ações produzidos pelos movimentos sociais, que se tornaram conhecidos e que ecoam nos quatro cantos do País como sinônimos de defesa do trabalho, do reconhecimento, da dignidade humana e da liberdade. A liberdade real, que é associada com a garantia de direitos, e não a liberdade econômica dos liberais que conviveu por séculos com a escravização e a colonização ao redor do mundo.

A associação do mês e da cor – recorrente em campanhas de saúde – surge no momento em que políticos e gestores públicos defensores do status quo se apresentam como especialistas em “curar” as dores dos cidadãos. Um jargão também importado da saúde, recheado de charlatanismos e que se torna cada vez mais comum no mundo empresarial, agora aparece também na gestão pública, especialmente quando falamos do planejamento urbano e rural.

Ao tratar os movimentos sociais como uma patologia, o que Jorginho quer é anular o reconhecimento que as classes subalternas adquiriram a duras penas através das lutas sociais, que se deram principalmente contra a lógica mercadológica da terra. O projeto atenta, inclusive, contra a existência dos movimentos quando apoia a formação de milícias no campo, o que afeta também o direito de os trabalhadores poderem morar em boas localizações nas cidades, algo que muitas vezes se dá através das ocupações, além dos graves contornos inconstitucionais que a lei possui quando sacraliza a propriedade privada em detrimento do cumprimento da função social conforme a carta de 1988.



Fonte ==> Casa Branca

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