Donald Trump não esconde o seu desejo de atiçar a guerra comercial, tendo como alvo principal a China. Da semana passada para cá, o republicano colocou Pequim como seu principal alvo, ao impor e ampliar medidas que, na prática, levam as tarifas para produtos chineses a inacreditáveis 104%.
Essa postura sugere que o núcleo duro do governo Trump está alinhado em torno dessa arriscada estratégia. Um exemplo disso é a fala do secretário do Tesouro, Scott Bessent, que lamentou a falta de disposição dos chineses para negociar e alertou: “Se houver retaliação, haverá uma escalada.”
Mas nem todos no governo compartilham do mesmo entusiasmo. Muitos dos principais nomes da gestão Trump têm origens no setor empresarial e ainda mantêm relações comerciais robustas com o exterior — especialmente com a China.
O maior expoente desse grupo é Elon Musk, chefe do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês) e dono da Tesla e da Starlink. Segundo o The Guardian, o patrimônio de Musk encolheu mais de 30 bilhões de dólares desde os primeiros anúncios do novo pacote tarifário. As ações da Tesla já caíram cerca de 40% em 2024.
Empresas como a Tesla de Musk são bons exemplos de como a cadeia de produção industrial não se estrutura mais como no passado. Basicamente, a fabricante – como muitas outras –, apesar de sua sede em um país (EUA, no caso), se estabelece em outros para benefícios próprios. Esses benefícios podem vir com um custo menor de produção em outros países (a exemplo de nações da Ásia), quando comparados aos dos Estados Unidos.
No caso da Tesla, o posicionamento na China também busca atender ao volumoso mercado interno chinês e, ao mesmo tempo, viabilizar as vendas para o mercado europeu.
Reclamações e queixas públicas
Na mesma semana em que Trump deu o seu mais ousado passo rumo à implosão do sistema comercial multilateral, anunciado tarifas contra um amplo rol de países, autoridades, economistas e produtores tentaram (e seguem tentando) entender o desenrolar desse jogo.
A aposta do ex-presidente, oficialmente, parece clara: fortalecer a indústria nacional e recriar uma cadeia produtiva dentro dos EUA, esperando que, ao impor dificuldades para produtos estrangeiros entrarem no país, os produtores resgatem a ‘era de ouro’ do país.
Entre os defensores desta tese está Peter Navarro, conselheiro sênior de Trump para comércio e manufatura. Aos 75 anos, Navarro sustenta que países com os quais os EUA têm déficit comercial, como a China, devem pagar taxas adicionais. Essa lógica também sustenta o Projeto 2025, uma cartilha ultraconservadora da Heritage Foundation.
Ao minimizar Musk, Navarro argumentou que o bilionário não é “um fabricante de automóveis”, mas “um montador”, dependente de peças importadas da Ásia. “Queremos pneus e motores fabricados nos Estados Unidos”, disse à rede americana CNBC. “É aí que discordamos de Elon.”
Musk reagiu com veemência: “Navarro é um idiota. O que disse é falso e fácil de provar”, afirmou. Segundo ele, a Tesla é a montadora que mais utiliza componentes fabricados nos EUA.
Mais do que ataques públicos, Musk está agindo nos bastidores. De acordo com o Washington Post, o empresário teria feito apelos diretos a Trump para que recuasse nas tarifas anunciadas. No mesmo período, publicou em sua rede social, o X, um vídeo exaltando o economista Milton Friedman e defendendo a “operação impessoal dos preços” — ou seja, de um sistema comercial mais pautado na cooperação entre países.
O pedido, contudo, foi solemente ignorado. Nesta quarta-feira 9, Trump aumentou ainda mais as tarifas sobre produtos chineses. Em resposta, a China anunciou medidas retaliatórias.
Entre a alt-right e os comunistas
Mas não é só com as consequências em relação à China que Musk se preocupa. No último final de semana, durante um evento na Itália, o dono da Tesla propôs um acordo entre EUA e União Europeia (UE) para zerar as tarifas no comércio bilateral. O ministro das Finanças da Alemanha, Robert Habeck, não reagiu bem à proposta: para ele, a ideia mostra “sinal de fraqueza, e talvez de medo” de Musk, uma vez que o norte-americano estaria vendo que suas empresas podem “ruir” com o que chamou de “bagunça” feita pelo governo Trump.
A incursão da Tesla na China começou em meio à maior crise da montadora, na metade da década passada. Desde então, o país se tornou seu segundo maior mercado. Em 2024, a empresa vendeu 657 mil carros na China — 36,7% do total global — e registrou crescimento de 8,8%, enquanto suas entregas globais caíram 1,1%.
Mesmo diante da tensão comercial, a Tesla inaugurou em fevereiro uma nova fábrica de baterias em Xangai, avaliada em 200 bilhões de dólares. A planta, construída em apenas sete meses, deve produzir 10 mil baterias por ano, através de uma estrutura construída em notáveis sete meses.
Musk e o ministro das Relações Exteriores da China, Qin Gang, em encontro realizado em maio de 2023. Foto: AFP / Chinese Ministry of Foreign Affairs
Diplomacia e negócios
O sucesso da Tesla na China não teria sido possível sem o estreitamento de laços entre Musk e autoridades do governo Xi Jinping.
Parte dessa bonança no mercado asiático se explica pela cartada dada por Musk anos atrás. Em 2008, quando a Tesla lançou o seu primeiro veículo na Califórnia, a empresa lançou mão de um legislação sobre emissões de gases que permite vender créditos para fabricantes de automóveis que não atingem metas de poluição.
A aproximação começou quando Musk levou ao país asiático uma política que já havia rendido frutos na Califórnia: a venda de créditos de emissão de poluentes. Documentos obtidos pelo New York Times mostram que representantes da Tesla incentivaram autoridades chinesas a se aproximarem de ambientalistas californianos. Desde a inauguração da fábrica em Xangai, em 2020, a empresa lucrou alto com esses créditos, superando a produção da unidade californiana.
O ápice dessa relação foi alcançado no primeiro semestre de 2023, quando Musk fez uma visita surpresa à China. Pouco depois, anunciou parceria com a chinesa Baidu para implementar um sistema de navegação autônoma. O acordo só foi possível após intervenção do primeiro-ministro Li Qiang, que dispensou a Tesla da exigência de adotar fornecedores locais para esse tipo de tecnologia.
Com tamanha exposição ao mercado chinês, Musk começa a sentir os efeitos da escalada tarifária. Segundo o The Guardian, o patrimônio de Musk encolheu mais de 30 bilhões de dólares desde os primeiros anúncios do novo pacote tarifário de Trump.
Fonte ==> Casa Branca