26 de abril de 2025

O enorme e precioso legado do papa Francisco – Brasil de Fato

Eu estava em Roma naquela tarde fria e chuvosa de outono. Era o dia 13 de março de 2013. No fim da tarde, saindo de uma palestra, atravessei a Praça de São Pedro lotada de fiéis e curiosos, deixei algumas cartas no correio do Vaticano e voltei para casa. O padre Edmund, já abrindo a porta para sair, anunciou que o Conclave havia eleito um novo papa. Todos os outros quatro colegas já haviam saído para receber o anúncio ao vivo…

Eu não tinha muitas expectativas, e permaneci em casa sozinho. Foram quase duas horas de espera até o anúncio se tornar público e o novo papa aparecer na sacada da Basílica. Fiquei surpreso quando foi anunciado que Dom Jorge Mário Cardeal Bergóglio era o nome escolhido. A surpresa foi ainda maior, agora recheada de esperança e expectativa, quando ouvi que escolhera o nome de Francisco.

Os breves minutos que se seguiram me levaram às lágrimas. Um papa que se apresenta como Bispo de Roma, “pescado” pelos “irmãos cardeais” no “fim do mundo”, que se inclina e pede ao povo cristão oração e bênção, que termina suas alocuções desejando “boa noite” e “bom almoço” e que deseja se inspirar no “Pobre de Assis” não é algo trivial, nem costuma ocorrer amiúde. Perguntava-me se isso tudo era verdade ou era um sonho.

Passados 12 anos – um tempo curto para uma instituição bimilenar como a Igreja católica – posso testemunhar que foi um sonho, sim. Mas foi um sonho que começou a se realizar, uma semente que germinou e lançou tenras e frágeis raízes que precisam ser cuidadas. Sonho de uma Igreja simples e radicalmente cristã, em dia com os tempos, parceira dos pobres e das vítimas, alegre no testemunho e ousada nos compromissos.

O que se insinuou e eu vislumbrei naquela noite romana de outono não foi um “sonho de verão”. A imagem de um líder religioso mundial no corpo de um idoso fragilizado, em vestes civis e cadeira de rodas que o mundo viu a alguns dias não nos acordou de um sonho, mas nos permitiu tocar o seu realismo. Ali estava um irmão da humanidade, próximo e vizinho, pequeno e grande, como todos desejamos ser.

O sonho não acabou, ele se tornou semente e legado entregue aos homens e mulheres de boa vontade, sem diferença de nação, de idade, de credo ou de condição social. Que nossas instituições, agregações e organizações sejam enfermarias de campanha, largas e frágeis tendas capazes de acolher e cuidar de todas as vítimas. E que não sejam empreendimentos que lucram com as catástrofes, com a indiferença e com a violência.

Que este sonho continue em projetos e empreendimentos que fascinam e engajam na construção de pontes e não de muros. Que nossa vida não seja tempo que passa, mas tempo de encontro. Que os homens e mulheres não sejam lobos uns dos outros, mas todos irmãos e irmãs. Que o planeta seja uma Casa Comum que cuidamos como à nossa mãe, e não um quintal entulhado de dejetos de uma vida feia e de lutas fratricidas.

E, ainda mais: que nossas relações familiares sejam expressão da alegria do amor, e não de vínculos superficiais, cinzentos e dominadores; que nossas igrejas não se afoguem em narcisismos doentios, caminhem em saída às periferias, peregrinem na esperança e não no medo, “sujem as mãos” nas causas humanitárias mais urgentes. E que ninguém tema atravessar as noites escuras do nosso tempo com os olhos fixos em Jesus de Nazaré.

* Bispo Diocesano de Santa Cruz do Sul.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.



Fonte ==> Brasil de Fato

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