Há um tipo de silêncio que não é paz: é projeto. E o silêncio que paira sobre a menopausa é exatamente isso — um apagamento estratégico produzido por uma sociedade que não suporta corpos que escapam à lógica da utilidade, da juventude e do controle.
Quando uma mulher atravessa o climatério, seu corpo passa a ocupar um lugar de incômodo social. Deixa de sangrar, deixa de servir — e, aos olhos do sistema, deixa de importar ao mesmo tempo em que parece começar a incomodar. Aquilo que deveria ser vivido como um rito de passagem, um tempo de reconhecimento e múltiplas possibilidades, é transformado em diagnóstico, sintoma, déficit.
Não se trata apenas da fisiologia, mas do destino simbólico que se impõe a ela. Porque a menopausa marca mais do que o fim do ciclo reprodutivo — mas também o momento em que o corpo feminino deixa de atender às expectativas capitalistas e patriarcais de produtividade, docilidade e agradabilidade. E isso, para o sistema, é intolerável.
O desconforto do climatério muitas vezes não está no corpo — está na tentativa de forçá-lo a caber no molde que tanto o pressionou
A resposta institucionalizada a esse incômodo é rápida e previsível: medicalização, reposição, cosméticos, silenciamento. A indústria farmacêutica transforma essa travessia em mercadoria. A perimenopausa se torna mais um nicho lucrativo, com soluções prontas para devolver à mulher uma juventude que nem sempre ela quer recuperar, mas que é cobrada a simular.
Mas e se o corpo não quiser retornar ao padrão anterior? E se ele, pela primeira vez, estiver se expressando fora das obrigações da fertilidade, da sensualidade compulsória, da performance produtiva? O desconforto do climatério muitas vezes não está no corpo — está na tentativa de forçá-lo a caber no molde que tanto o pressionou.
Esse processo revela algo mais profundo: o terror que a sociedade sente diante de tudo o que escapa ao controle. Mas acontece que o corpo maduro da mulher escapa; e já não é instrumento reprodutivo, não é vitrine estética, já não é promessa de capital erótico padrão. É um corpo que se desvia da norma e, por isso, precisa ser calado.
E aqui é preciso dizer sem meias-palavras: o climatério é subversivo. Porque não apenas marca uma fase da vida — denuncia a falência simbólica de um modelo de corpo útil. É a interrupção do pacto entre a mulher e o sistema que a doméstica. O corpo que já não serve também já não obedece.
Mais: o climatério pode ser compreendido como metáfora radical dos tempos que vivemos. A sociedade contemporânea está, enfim, em crise de ciclos. Esgotamento de sentidos e a falência de estruturas que já não dão conta da vida. Como no corpo da mulher madura, também na política e na cultura se manifestam calores, instabilidades, colapsos de identidade.
Talvez, por isso, falar de climatério seja tão urgente. Porque ele revela uma travessia sem mapa — e o mal-estar profundo de um tempo que ainda não soube inventar outro jeito de existir. A menopausa nos mostra o que acontece quando o ciclo se rompe, mas o mundo ainda insiste em mantê-lo girando. O desconforto não é sintoma, é linguagem.
E como toda linguagem precisa ser escutada. Escutar o climatério é ouvir o corpo fora da lógica da serventia. É recusar o discurso de que envelhecer é perder valor. É entender que há potência na desobediência dos ciclos. E que o corpo que a sociedade teima em dizer que não serve pode, finalmente, servir a si mesmo em sua essência.
O fim da menstruação não é fim, é meio. O climatério é meio de libertação das amarras que nos domesticaram pela biologia e nos tolheram pela estética. É o fim da mulher que vive para os outros — e que deixa de medir seu valor pelo olhar alheio. Isso só pode ser libertador.
A menopausa é esse grito surdo que a sociedade tenta abafar. Mas quanto mais se tenta silenciar, mais se torna evidente: há algo nesse corpo que já não volta atrás. E é justamente por isso que ele assusta: porque se tornou livre demais.
Fonte ==> Casa Branca