À primeira vista, o Pix —sistema de pagamentos instantâneos lançado pelo Banco Central do Brasil— parece distante do universo das moedas de reserva globais. É doméstico, voltado ao varejo e opera em reais, não em dólares. No entanto, por trás de sua interface local, o Pix pode fazer parte de uma transformação mais profunda das finanças globais: a erosão silenciosa da dominância “transacional” do dólar.
O Pix, por si só, não representa uma ameaça direta à moeda dos Estados Unidos. O dólar continua sendo dominante no comércio internacional, na precificação de commodities e como reserva preferencial de valor para os bancos centrais. No entanto, o Pix representa uma nova forma de soberania digital, que dispensa a dependência das infraestruturas financeiras baseadas comandadas pelos EUA, como o Swift, e meios de pagamento como os cartões de débito e crédito. Ao fazer isso, oferece um modelo para outros países que buscam formas mais rápidas, baratas e autônomas de movimentar dinheiro.
Mais importante ainda, o Brasil está exportando a arquitetura do Pix, explorando sua interoperabilidade com países vizinhos e preparando sua integração ao Drex, a moeda digital de banco central (CBDC) brasileira. Quando conectados a experimentos globais de CBDCs, como o mBridge (liderado pelo BIS), sistemas como o Pix podem começar a viabilizar liquidações internacionais sem passar por Nova York ou utilizar o dólar como intermediário. É aí que as implicações para a hegemonia do dólar começam a se tornar concretas.
A ameaça, portanto, não é imediata. Mas o Pix é uma peça dentro de um mosaico de iniciativas —como o Cross-Border Interbank Payment System (CIPS) e o e-CNY, ambos da China, junto com o Brics Pay— que, juntas, sinalizam uma transição para uma nova infraestrutura financeira multipolar. O resultado pode não ser a queda do dólar, mas um mundo no qual ele deixa de ser indispensável.
E, às vezes, isso basta para mudar as regras do jogo
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Fonte ==> Folha SP