A Câmara dos Deputados da Itália aprovou nessa terça-feira (20) o decreto-lei apresentado pelo governo da primeira-ministra Giorgia Meloni que limita o acesso de cidadania por descendência.
Com a votação, o Parlamento validou definitivamente a lei. O projeto já havia passado pelo Senado na última quinta-feira.
A Itália concede sua nacionalidade seguindo o princípio do “jus sanguinis” (direito de sangue) sem limite de gerações. O decreto-lei do governo Meloni, no entanto, busca restringir a concessão do documento a filhos e netos de italianos, excluindo as demais gerações.
Ou seja, o solicitante precisar ter um dos pais – biológico ou adotivo – ou avós portadores exclusivamente da cidadania italiana. Também haverá concessão se o pai ou a mãe de um solicitante nascido no exterior tiver residido “por pelo menos dois anos consecutivos” no país europeu após obterem a cidadania e antes do nascimento do solicitante.
Os descendentes de italianos que se naturalizaram brasileiros perdem o direito, de acordo com o novo decreto-lei, mesmo que cumpram os requisitos das duas gerações.
Dados do governo brasileiro apontam que mais de 30 milhões de brasileiros tenham vínculos familiares com a Itália. Atualmente, existem pelo menos 110 mil processos em análise para obtenção da documentação, sem contar as milhares de ações judiciais movidas diretamente na Itália por brasileiros em busca do direito.
As mudanças já estão em vigor?
Sim. Tammy Cavaleiro, advogada especialista em cidadania europeia e sócia da empresa Você Europeu, explica que o decreto-lei, de forma provisória, já está em vigor desde o dia 28 de março deste ano.
“O que acontece é que, se o Parlamento italiano não o aprovasse, ele perderia a vigência, mas isso não aconteceu. O senado aprovou o texto – com emendas – no dia 15 de maio, e a Câmara seguiu a decisão do Senado. Agora, o decreto-lei segue para a sanção do presidente Sérgio Mattarella”.
O direito à cidadania italiana foi extinto para outras gerações?
Não. A advogada Mariane Baroni, diretora jurídica da Master Cidadania que atua há mais de 20 anos diretamente na Itália com reconhecimento de cidadania jus sanguinis, explica que “o direito à cidadania italiana não foi extinto. Ele apenas deixou de ser acessível por vias administrativas para determinadas gerações”.
Segundo a jurista, o decreto bloqueou o agendamento de processos em consulados e comuni – unidades administrativas dentro da Itália – para descendentes além da segunda geração, inviabilizando a obtenção da cidadania por vias administrativas.
“Com isso, a alternativa viável passa a ser exclusivamente judicial, caminho que já vinha sendo utilizado por milhares de famílias, especialmente nas chamadas “ações contra filas”. De acordo com Baroni, “o Judiciário italiano continuará a reconhecer esse direito com base na Constituição e na jurisprudência consolidada”.
Tenho cidadania italiana por meio de pais ou avós. Posso transmitir o direito ao meu filho?
Em alguns casos. Tammy Cavaleiro, da Você Europeu, explica que o decreto-lei “abriu uma janela para filhos menores de idade de italianos nascidos no exterior solicitarem a nacionalidade italiana até o dia 31/05/2026”. Segundo a jurista, haverá uma regulamentação própria da lei que explicitará o fluxo dessa solicitação na prática.
Já iniciei meu processo no consulado italiano. O novo decreto me afeta?
Incerto. De acordo com Cavaleiro, ainda não há uma definição clara a esse respeito. “Ficou confuso quando será efetivamente considerada a data do protocolo no consulado. Mas acreditamos que nos próximos dias os próprios consulados vão se manifestar a respeito para definir regras mais claras de quem teve o seu processo protocolado”.
O Decreto-lei pode ser barrado pela Suprema Corte italiana?
Sim. Fábio Dias, sócio cofundador do FdS Advogados e parceiro da empresa Cidadania4U, diz que existe uma possibilidade muito real da Suprema Corte declarar a inconstitucionalidade da lei, “o que não exatamente vetar a lei. o projeto se converterá em lei e, como lei, será válida. Mas a corte constitucional na Itália, assim como em outros países ocidentais, faz um controle a posteriori de constitucionalidade, ou seja, ela analisa uma lei que já faz parte do ordenamento jurídico, que passou pelo Parlamento e pela sanção presidencial, e ela confronta essa lei com a Constituição”.
“Se a Corte entender que a lei está em desacordo com a Constituição, uma vez que a lei tem um nível hierárquico inferior ao ordenamento constitucional, o que acontecerá é a declaração de inconstitucionalidade e ela para de gerar efeito”, explica.
“Em caso de entendimento de inconstitucionalidade da lei, é como se ela nunca tivesse existido. Na prática, isso significa que aquela norma deixa de ser aplicada e passa a valer a lei antiga, neste caso a de 1992”, informa Dias.
O jurista destaca que há um consenso jurídico de que o decreto-lei é “absolutamente inconstitucional”.
“Seja pela retroatividade, que viola o direito adquirido de milhões de pessoas, seja pela violação do princípio da isonomia – pela diferenciação entre cidadãos italianos que têm ou não têm dupla cidadania – ou seja pelo rito legislativo escolhido do decreto-lei que só deveria ser aplicado em uma matéria em que há urgência. Por tanto, há uma grande expectativa de que a lei seja derrubada pela Corte constitucional”.
Fonte ==> Gazeta do Povo e Notícias ao Minuto