Em breve, será apresentado pelo Ministério da Saúde um novo modelo no SUS que visa ampliar o acesso a diagnósticos, cirurgias e tratamentos realizados por médicos especialistas. O assunto não é novo. Em várias eleições, candidatos a prefeituras e governos prometem zerar filas e resolver gargalos no atendimento a casos de média e alta complexidade na rede pública.
Em âmbito nacional, já foram testados “mutirões de catarata”, normas para o fluxo de gestantes e definição de prazos para atendimento de câncer. Os resultados, no entanto, têm sido incipientes, quer em razão de mudanças nos tipos de morbidade – que pedem novas abordagens –, quer por variações na oferta de especialistas e especialidades.
Passamos por grandes transformações nos perfis das doenças. Estamos diante de um aumento drástico da demanda por serviços oncológicos. A expansão dos serviços de rastreio, diagnóstico e tratamento é uma prioridade absoluta.
Além de aumentar o acesso a quimioterapia, cuidados cirúrgicos e radioterapia, será necessária uma atualização. Equipamentos de tomografia computorizada, ressonância magnética e tomografia por emissão de pósitrons (PET) são a base moderna para o diagnóstico e o monitoramento de cânceres. A imunoterapia, que tem sido incorporada aos tratamentos, exige uma força de trabalho mais especializada.
Entre 2005 e 2024, os leitos hospitalares disponíveis para o SUS diminuíram 12%, enquanto a disponibilidade na rede de planos de saúde privados aumentou 21%. No mesmo período, o número de leitos cirúrgicos cresceu 5% no SUS e 23% no setor exclusivamente privado.
Desde que a perspectiva de um aumento significativo do aporte de recursos para a saúde saiu de cena, vêm sendo experimentados diferentes formatos de negociação para a compra de consultas, exames, internações etc. Há desde acordos com grupos de especialistas até aquisição de pacotes junto a serviços de saúde. As boas opções podem, porém, ser contadas nos dedos.
Ações improvisadas como “corujões”; atendimento para o SUS em turnos ociosos de estabelecimentos privados; e remuneração acima do valor da tabela SUS se mostraram pouco duradouras. Para que essas “compras” tenham, de fato, desfechos favoráveis para a saúde é preciso que se pense em estratégias efetivamente inovadoras de aproximação entre os setores público e privado.
Recentemente, pipocaram no noticiário informações sobre outra alternativa para o déficit no atendimento por especialistas: “articulações estruturantes” entre SUS, planos de saúde e cartões de desconto.
A ideia é que o segmento de usuários das classes C e D passassem a pagar 100 reais por mês para o atendimento de casos ambulatoriais leves e moderados – exceção feita aos pacientes oncológicos e às pessoas com deficiência. O SUS seguiria responsável por internações, cirurgias, problemas graves e complexos e pelo fornecimento de medicamentos.
Se considerarmos o passado como um preditor razoável, acertamos e erramos no SUS. Quando tratamentos antirretrovirais se tornaram disponíveis para as pessoas que vivem com Aids, alguns burocratas e executivos de empresas foram contra o acesso universal. O tempo demonstrou estarem certos os que defenderam a viabilidade da expansão de cuidados especializados públicos, estáveis e progressivos.
Compras mal planejadas, acrescidas de favorecimento estatal a empresas privadas e introdução de uma fila privada paralela no SUS resultariam na renúncia do direito à saúde, inscrito na Constituição. Enquanto a reforma tributária avança em direção a maior equidade, a saúde faria um papelão se levasse adiante a oficialização de um regime de castas, prescrito por empresas que visam o lucro.
Nos anos mais recentes, mudanças radicais incidiram sobre o sistema de saúde, entre as quais a “pejotização” e a formação da força de trabalho em escolas privadas, que dinamizam a privatização em uma sociedade cada vez mais desigual. Hoje, os preços pagos pelo setor privado para consultas, exames e internações são, em média, quatro vezes superiores aos do SUS.
É, portanto, importante que se mantenha um pé atrás diante das proposições de grandes grupos econômicos, que, de forma deliberada, ignoram as necessidades crescentes das populações desfavorecidas. Para não condenar a maioria da população à desigualdade, à doença, à dor e à morte no curto, médio e longo prazo é preciso parear a oferta de recursos, preços e qualidade. •
Publicado na edição n° 1358 de CartaCapital, em 23 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O SUS na mira’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Fonte ==> Casa Branca