Nos últimos meses, assistimos a uma expressiva mobilização de países em torno da agenda estratégica da inteligência artificial. Muitos governos e setores da sociedade já compreenderam que a IA não é apenas uma ferramenta, mas sim uma tecnologia de propósito geral, com impacto profundo e transversal na economia, na cultura e na sociedade —assim como a máquina a vapor e a eletricidade foram em períodos anteriores, porém com uma velocidade de propagação infinitamente maior. Trata-se de uma mudança estruturante em escala geopolítica, que exigirá robustas políticas de Estado e o envolvimento de organismos multilaterais.
A França, por exemplo, anunciou um investimento de US$ 113 bilhões para impulsionar projetos na área, incluindo a construção do maior centro de dados da Europa. O Reino Unido também lançou as bases para o desenvolvimento desse campo de conhecimento por meio de seu Plano de Ação para Oportunidades em IA, com um investimento estimado em US$ 18 bilhões, destinado à infraestrutura, à formação e à retenção de talentos.
A China divulgou, neste ano, o Plano para a Construção de uma Nação Educacional Forte, com diretrizes até 2035, que envolvem o fortalecimento do ensino superior, a ampliação da produção científica e o uso estratégico da tecnologia. Nos primeiros dias de seu novo mandato, o presidente dos EUA, Donald Trump, também demonstrou a relevância estratégica da IA ao anunciar um ambicioso projeto de US$ 500 bilhões para desenvolver o setor em parceria com as gigantes da tecnologia.
Vários outros países, como Rússia, Espanha, Austrália e Arábia Saudita, também anunciaram planos estratégicos de investimento na área. A Arábia Saudita, por exemplo, criou um expressivo fundo de capital de risco voltado exclusivamente para a IA.
Nesse cenário fervilhante, o Brasil mantém uma atuação tímida para sua dimensão econômica e cultural. O lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, em julho do ano passado, foi um passo importante, mas não gerou grandes desdobramentos. No momento em que deveríamos estar acelerando, como fazem nossos concorrentes globais, o país não imprimiu ritmo ao seu projeto.
Nem mesmo a questão dos volumosos investimentos requeridos —antes um obstáculo intransponível— parece ser um impeditivo para avançarmos, especialmente após o lançamento da DeepSeek. Até onde sabemos, o chatbot chinês custou cerca de 30 vezes menos que as maiores plataformas do mercado, demonstrando que é possível criar alternativas de IA com ainda mais inovação e menor custo.
Para voltarmos à pista, nossas universidades e centros de pesquisa precisam estar no cerne da estratégia, com incentivo à pesquisa aplicada, interconexão entre laboratórios e maior integração com o mercado. É fundamental que a academia produza conhecimento e, ao mesmo tempo, esteja comprometida com a competitividade do setor produtivo, sem perder de vista o combate à desigualdade —condição essencial para que possamos buscar um lugar de destaque no cenário internacional.
Outro ponto central da agenda é a retenção de talentos. O estudo Rastreador Global de Talentos de IA 2.0, do think tank MacroPolo, traz dados reveladores sobre essa nova “moeda global”. A pesquisa mostra que 57% dos pesquisadores de elite em IA trabalham hoje nos EUA, 12% estão alocados na China e 8% na Inglaterra. França e Alemanha contam, cada uma, com 4% desses especialistas. O Brasil, no entanto, nem sequer figura na lista.
Diante das oportunidades que a IA apresenta, o Brasil precisa, com urgência, olhar para esses indicadores e criar estratégias de formação —da educação básica à universidade— para incluir nossos jovens e reter talentos, conectando o capital intelectual ao setor produtivo, além de garantir a infraestrutura necessária para a transformação digital, inclusive por meio de consórcios transnacionais.
Dessa forma, podemos nos tornar referência no Sul Global e buscar superar o histórico de baixo crescimento econômico e desigualdade social. A janela de oportunidades está aberta, mas é preciso coordenação, foco e senso de urgência para aproveitá-la.
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Fonte ==> Folha SP