Nós conseguimos acuar a onça. Sem dó nem piedade, abatemos, arrancamos o couro, vendemos. O bicho que metia medo já está em vias de extinção em regiões como a mata atlântica. A gente só se esqueceu da consequência. Maior felino das Américas, espécie guarda-chuva, predador de topo de cadeia. Onde a onça não existe mais, a floresta fica toda em desequilíbrio.
Na lista de espécies ameaçadas de extinção do Ministério do Meio Ambiente, a onça-pintada está classificada como “vulnerável”, mas, na mata atlântica, está “criticamente ameaçada de extinção”. Com a estimativa de menos de 300 onças-pintadas, existem poucas áreas no bioma onde a espécie ainda se mantém. Neste ano, tivemos um dado devastador: No Contínuo Ecológico de Paranapiacaba, em São Paulo, uma área relativamente preservada, a população de onças-pintadas diminuiu 77% em uma década, segundo dados do ICMBio.
O Corredor Verde (Brasil e Argentina) é o maior núcleo remanescente das subpopulações de onças-pintadas na mata atlântica. Se, em 1995, o pesquisador Peter Crawshaw Jr. estimou que a região abrigava entre 400 e 800 onças-pintadas, em 2005 essa estimativa caiu para 40.
No Parque Nacional do Iguaçu (PR), em 2009, restavam entre 9 e 11 onças-pintadas —o felino estava perto da extinção local. As principais causas do declínio foram a caça e o abate de onças-pintadas por retaliação, devido à predação de gado. Nos últimos dez anos, essa população vem crescendo graças a ações de conservação e proteção nos dois países. Hoje, no Corredor Verde, contam-se 93 animais, sendo 25 no Parque Nacional do Iguaçu.
Essa população é monitorada pelos projetos Onças do Iguaçu, do Instituto Pró-Carnívoros (Brasil), e Yaguareté (Argentina), através de censos bianuais e binacionais. Temos aqui um belo exemplo de dois países e dois projetos unindo esforços pela conservação das onças.
Trabalhamos para que o maior felino das Américas não viva apenas no nosso imaginário. Em “Meu tio, o Iauaretê”, o sertanejo de Guimarães Rosa contratado para desonçar toda uma mata guarda uma pedrinha na cabaça para cada onça que matou. E foram muitas. Até que ele se descobre parente delas —como somos todos, de alguma forma— e vira a própria onça-pintada. No fim do conto, no fim das contas, acaba ele mesmo vítima da arma dos homens que não sabem conviver.
Em tupi, Iauaretê significa “onça verdadeira”. E é por ela que lutamos. Dizemos que onde tem onça tem vida, pois ela controla as populações das presas das quais se alimenta, ajudando a manter a integridade do ambiente e o equilíbrio do ecossistema. Mais que um predador de topo de cadeia, a onça-pintada é uma guardiã da floresta.
O segredo é saber conviver. É coexistir. E é assim que temos conseguido aumentar a população de onças-pintadas no Iguaçu. Com trabalho de atendimento imediato e monitoramento ante relatos de predação, com ações de sensibilização e, agora, com a criação da Rede de Coexistência da Tríplice Fronteira, unindo Brasil, Argentina e Paraguai com o objetivo de construir e difundir práticas de manejo mais eficazes e capacitação dos produtores agropecuários.
A onça-pintada não é apenas um símbolo da natureza selvagem; ela é um reflexo da nossa própria humanidade. “Mecê acha que eu pareço onça? Mas tem horas em que eu pareço mais.”
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Fonte ==> Folha SP