15 de julho de 2025

Orçamento da saúde: hora de rever os privilégios tributários – 15/07/2025 – Opinião

A imagem mostra um grupo de pessoas sentadas em cadeiras sob uma estrutura coberta. Algumas pessoas estão conversando, enquanto outras parecem estar esperando. O ambiente é ao ar livre, com árvores ao fundo e uma iluminação suave do final da tarde. Há uma variedade de idades entre os presentes, e a maioria está vestida de maneira casual.

Desde a Constituição de 1988, o Brasil enfrenta o dilema de equilibrar contas públicas sem comprometer direitos sociais. A Carta Magna reconheceu o direito à saúde como universal e dever do Estado, o que impulsionou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém sua consolidação sempre foi prejudicada por disputas orçamentárias e entraves de financiamento.

O SUS sofre subfinanciamento crônico. Embora a Constituição previsse destinar 30% do orçamento da Seguridade Social à saúde, isso jamais foi executado. A emenda constitucional (EC) 29, de 2000, fixou percentuais mínimos para União, estados e municípios, mas sem definir fontes nem garantir vinculação à Seguridade, mantendo o tema sob disputa política e técnica.

Em 2015, a EC 86 vinculou 15% da receita corrente líquida da União à saúde, conquista fruto da pressão da sociedade civil via Conselho Nacional de Saúde. Mesmo assim, os recursos seguem insuficientes frente à amplitude de demandas do SUS. Segundo a ANS (outubro de 2024), cerca de 75% da população depende exclusivamente do sistema público para atendimento à saúde —o que reforça sua centralidade para a cidadania.

Apesar da vinculação dos 15%, os recursos ainda são insuficientes diante da complexidade e amplitude das demandas do sistema. Entre 2017 e 2022, a EC 95 agravou o cenário ao congelar gastos sociais por 20 anos, retirando mais de R$ 70 bilhões da saúde, segundo o Ipea. A revogação parcial da EC 95 em 2023, com a LC 200, representou avanço, mas ainda restringe a expansão real dos investimentos sociais.

Outro fator que enfraquece a política de saúde é o crescimento das emendas parlamentares impositivas, que transformam parte do orçamento técnico em instrumento de interesses particulares. Entre 2015 e 2024, saltaram de R$ 3,1 bilhões para R$ 24,1 bilhões (corrigidos pelo IPCA). Embora legais, sua crescente participação no mínimo constitucional enfraquece o planejamento do SUS e compromete a alocação racional dos recursos em estados e municípios, tornando o Orçamento mais fragmentado e sujeito a pressões políticas.

Além do subfinanciamento e distorções via emendas, dois temas permanecem silenciados no debate fiscal. O primeiro é a ausência de tributação sobre os mais ricos que vivem de lucros e dividendos isentos no Imposto de Renda. Em 2024, estima-se que mais de R$ 1 trilhão tenha escapado da tributação, beneficiando uma pequena parcela dos mais abastados da população.

O segundo são os gastos tributários —renúncias fiscais que atuam como financiamento público indireto. Trata-se de isenções, deduções e benefícios fiscais concedidos a setores econômicos específicos, geralmente em favor de grandes empresas. Em 2025, alcançarão R$ 587,42 bilhões (4,74% do PIB), ou 21,2% das receitas federais. Esses benefícios carecem de avaliação rigorosa sobre eficácia e retorno social, sendo privilégios que perpetuam desigualdades, sem traduzirem-se em contrapartidas reais para a sociedade.

Na Saúde, as renúncias fiscais somam R$ 101,16 bilhões em 2025: R$ 35,8 bilhões em deduções médicas no IR, R$ 17,4 bilhões com assistência médica e farmacêutica aos empregados, R$ 16,2 bilhões para entidades filantrópicas e R$ 10 bilhões para organizações privadas sem fins lucrativos. Na prática, são recursos públicos usados para sustentar o setor privado de saúde, aprofundando a desigualdade no acesso aos serviços.

Para garantir financiamento estável e justo ao SUS, é urgente enfrentar esses privilégios. Propostas como fixar teto para deduções médicas no IR, similar ao da educação. Além da revisão urgente das desonerações do setor privado de saúde. Essas medidas reduziriam as desigualdades e contribuiriam para um Orçamento mais equitativo, que priorize o interesse público e os direitos sociais da maioria da população.

É hora de interromper privilégios tributários que drenam recursos do fundo público e comprometem o futuro do SUS. Justiça fiscal é condição para justiça social.

TENDÊNCIAS / DEBATES

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Fonte ==> Folha SP

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