Em meio ao agravamento da crise de popularidade do governo Lula, os conselhos de um de seus mais bem-relacionados aliados têm repercutido nos círculos brasilienses. O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, tornou pública uma carta em que aponta um certo isolamento de Lula em seu terceiro mandato, com dificuldades de comunicação e perda de sua capacidade de articulação política.
No texto, Kakay reconhece que “Lula fez o que de melhor podia ao enfrentar Bolsonaro e ganhar do fascismo”, mas aconselha o presidente a romper o cerco que estaria limitando seu contato com a política. O advogado vê Lula “isolado” e “capturado”, sem ter ao lado pessoas capazes de “falar o que ele teria que ouvir”.
“O Lula do 3º mandato, por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política”, escreveu.
A percepção de um presidente blindado não é nova entre interlocutores do governo. Nomes de grande influência em mandatos de anteriores do PT relatam dificuldades para falar com Lula, que, sem celular próprio, depende de assessores para ouvir e falar diretamente com que o procura. A intermediação de agendas e contatos por figuras próximas, como a primeira-dama Janja e auxiliares diretos, tem sido um dos fatores apontados para o distanciamento do presidente de aliados históricos e operadores políticos.
“Com a extrema-direita crescendo no mundo e, evidentemente, aqui no Brasil, o quadro é muito preocupante. Sem termos o Lula que conhecíamos como presidente, corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026”, completou.
CartaCapital procurou Kakay para confirmar o teor da carta e recebeu a íntegra do documento. Leia a íntegra:
“Lula ganhou 3 vezes e elegeu Dilma como sua sucessora. À época elegeria o qualquer de seus ministros, pois era imbatível.
Certa vez, conversando com um senador do PT, ele me disse que, havia um ano, tentava uma audiência com a presidente Dilma. Ela não fazia política. Sofreu impeachment.
Um dia, no governo Lula, um senador da oposição me liga às 11h da manhã e reclama que tinha assumido há 15 dias — era suplente — e que não havia sido recebido pelo Zé Dirceu, chefe da Casa Civil. Liguei para o Zé. Às 12h30, a gente estava almoçando no Palácio do Planalto. O Zé — de longe o mais preparado dos ministros — deu um show discorrendo sobre o estado de origem do senador, que saiu de lá com o número do celular do Zé e completamente encantado.
Neste atual governo, Lula fez o que de melhor podia ao enfrentar Bolsonaro e ganhar do fascismo, impedindo que tivéssemos mais quatro anos de Bolsonaro. Seria o fim da democracia. Seriam destruídas, de maneira irrecuperável, todas as conquistas dos governos democráticos, não só do PT. O fascismo acaba com tudo. Esse é o maior legado do Lula. Para tanto, foi necessário — senão não teríamos ganhado — fazer uma aliança ampla demais. Só o Lula conseguiria unir e construir esse amplo arco para derrotar Bolsonaro.
Aqui em casa, no dia da diplomação, 12 de dezembro, determinado político se aproximou em um momento em que Lula e eu conversávamos, colocou amistosamente a mão no meu ombro e fez uma brincadeira. Ao sair da roda, o Lula me falou baixinho, rindo: “Este jamais será meu ministro, e acha que vai ser.” No dia 1º de janeiro, ele assumiu como ministro. Esse é o brilhantismo do Lula neste momento difícil. Não fosse sua maturidade, não teríamos tido chance de vencer o fascismo.
Por isso, cometo aqui certa indelicadeza ao comentar este fato: para ressaltar a maturidade do presidente Lula. Mas o Lula do terceiro mandato, por circunstâncias diversas — políticas e, principalmente, pessoais —, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política.
Outro dia, alguns políticos me confidenciaram que não conseguem falar com o presidente. É outro Lula que está governando.
Com a extrema-direita crescendo no mundo e, evidentemente, aqui no Brasil, o quadro é muito preocupante. Sem termos o Lula que conhecíamos como presidente e sem ele ter um grupo como o que tinha ao seu redor, corremos o risco do que parecia impossível: perdermos as eleições em 2026. Bolsonaro só perdeu porque era um inepto. Se tivesse ouvido Ciro Nogueira e vacinado, ou ficado calado sem ofender as pessoas, teria ganhado com a quantidade de dinheiro que gastou. Perder uma reeleição é muito difícil, mas o Lula está se esforçando muito para perder. E não duvidem dele: ele vai conseguir.
Claro que as circunstâncias estão favoráveis ao projeto de perder as eleições. Não dou tanta importância para essas pesquisas feitas o tempo todo. Mas prestei atenção nesta que indica que 62% não querem que Lula seja candidato à reeleição. A pergunta é: quem é seu sucessor natural? Não foi feito um grupo ao redor do presidente, que se identificasse com ele e de onde sairia o sucessor político natural. O “grupo” do Lula, a gente sabe quem é. E certamente não vai tirá-lo do isolamento. Ele hoje é um político preso à memória do seu passado. E isolado.
Quero acreditar na capacidade de se reencontrar. Quem se refez depois de 580 dias preso injustamente pode quase tudo. E nós temos o Haddad, o mais fenomenal político desta geração em termos de preparo. Um gênio. Preparado e pronto para assumir seu papel.
Já fico olhando o quadro e torcendo para o crescimento de uma direita civilizada. Com a condenação do Bolsonaro e a prisão, que pode se dar até setembro, nos resta torcer para uma direita centrista, que afaste o fascismo.
Que Deus se apiede de nós!
É necessário lembrar o mestre Torquato Neto no Poema do Aviso Final:
“É preciso que haja algum respeito, ao menos um esboço,
ou a dignidade humana se afirmará a machadada.”
Fonte ==> Casa Branca