O presidente dos Estados Unidos reclamou de uma escada rolante e de um teleprompter que não funcionaram —contra ele— na sede das Nações Unidas, em Nova York. Associou o mau desempenho de equipamentos do prédio à decadência da organização. Disse ter resolvido sete guerras em sete meses, sem a ajuda da ONU. E que se a organização tivesse contratado os seus serviços de incorporador anos atrás, hoje teria saguões de mármore, além de escadas rolantes que funcionam. Até aqui, Trump sendo Trump.
Só que o papinho de púlpito na Assembleia-Geral, na última terça-feira (23), esquenta o debate sobre um tema recorrente, que é a crise da maior organização multilateral do planeta. O réquiem pela ONU lembra uma partitura inacabada, não faltando quem acrescente notas graves. No entanto, algo acontece nesta instituição que chega aos 80 anos, combalida após a pandemia, desafiada por conflitos intrincados e atolada em chamados humanitários.
Em março, seu secretário-geral, o português António Guterres, lançou a UN80, uma iniciativa que não só busca o equilíbrio financeiro, como faz uma revisão profunda do modus operandi da ONU. É um movimento ousado numa organização colada aos princípios que a criaram, embora hoje ela impacte muito mais gente num mundo que saltou de 2,3 bilhões de pessoas em 1945 para 8,2 bilhões em 2025.
O desafio do financiamento, via contribuições obrigatórias, voluntárias e específicas, está sacudindo o compromisso assumido por 193 Estados-membros, de enviar recursos segundo a capacidade de cada país. Não há espaço para a inadimplência com o brutal corte de repasses dos EUA de Trump, fazendo com que a ONU perca o seu principal financiador nesses anos todos (foram 22% do orçamento regular em 2024).
Como chorar sobre planilhas não resolve, a iniciativa de Guterres ousa ao lidar com erros. O recente relatório “Revisão da Implementação de Mandato” (MIR, na sigla em inglês), que é um documento público, trata do excesso de mandatos da organização, ou seja, das 40 mil decisões aprovadas pelos Estados-membros a partir de 1946, configurando a grande pauta da ONU. Sabe-se que há muito mandato duplicado, sem horizonte para terminar ou sem recursos para existir. A promessa agora é de uma varredura completa, ajudada pela inteligência artificial.
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O estudo olha a burocracia interna, a desconexão entre os corpos da organização (secretariado, conselhos, comitês, agências, fundos, missões), o excesso de encontros e até o volume de relatórios. Estes, algo como 1.100 por ano, estão 40% mais longos do que há duas décadas e a maior parte tem menos de 2.000 downloads. Ou seja, são pouco lidos.
Jordan Ryan, ex-secretário-geral adjunto da ONU, ao avaliar o MIR, fez uma reflexão precisa: “A credibilidade do multilateralismo depende não só do que as Nações Unidas dizem, mas do que entregam e sustentam”.
Também não há tempo para uma reforma cosmética. Qual será o papel da ONU no desfecho da guerra na Ucrânia ou do horror em Gaza? A que distância está do cumprimento, em 2030, dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)? Que resposta global dará à mudança climática, que Trump chama de “piada”?
Por seu envolvimento, Guterres tem sido peça-chave da UN80. O problema é que está a um ano de deixar o posto. Sua sucessão importa muito.
Fonte ==> Folha SP