26 de abril de 2025

Petróleo vira maior item de exportação do Brasil enquanto país importa gasolina – Brasil de Fato

O ano de 2024 foi de marcos históricos para o mercado do petróleo no Brasil. No ano passado, pela primeira vez na história, o Brasil exportou mais petróleo do que ele mesmo consumiu. A exportação foi tão grande que, também pela primeira vez, o petróleo foi o produto que o Brasil mais exportou no ano, superando até a soja.

As vendas de óleo bruto de petróleo ou de minerais alcançaram 44,8 bilhões de dólares (quase R$ 260 bilhões), segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), uma alta de 5,2% na comparação com 2023.

Do valor de tudo que o Brasil exportou no ano passado, 13,3% foram relacionados à venda de petróleo. A venda da soja ficou com 12,7%.

Os dados foram comemorados por agentes da indústria de óleo e gás. A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, por exemplo, disse que a chegada do petróleo no topo da pauta de exportação representa “um marco significativo”.

Tal marco, entretanto, tem a ver com deficiências históricas do setor de refino brasileiro. Sem plantas suficientes para processar todo o petróleo que extrai, o Brasil hoje já manda para o exterior 52,1% do óleo produzido. Os dados são do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), referentes a 2024.

Esse óleo acaba sendo refinado em outros países e parte dele, inclusive, volta ao Brasil na forma de combustível. Hoje, apesar ser um dos dez maiores produtores de petróleo do mundo, o país importa cerca de 10% da gasolina e até 25% do diesel que consome.

Para Mahatma dos Santos, diretor técnico do próprio Ineep, a contradição causa perda de oportunidades. O maior problema é que o Brasil segue dependente do mercado externo e de seus preços para abastecer seu mercado nacional. Ao se manter assim, ainda deixa de gerar empregos e renda com o trabalho de refino do petróleo que ele já tem.

“Todo o petróleo produzido no Brasil deveria ser refinado aqui para atender nossas necessidades, estimulando nossa indústria, nossa infraestrutura de distribuição, gerando empregos. O excedente poderia ser exportado na forma de combustível, com maior valor agregado”, resumiu Santos, em entrevista ao Brasil de Fato.

Santos reconhece que a exportação de petróleo tem seus benefícios: gera receita rápida para as petroleiras que atuam aqui, principalmente a Petrobras; gera recursos para governos com o pagamento de direitos que eles têm sobre o óleo; e traz dólares à economia nacional. Esses benefícios, entretanto, são de curto prazo e pouco contribuem para uma mudança do nível de desenvolvimento do país.

“Precisamos mudar a lógica primária da pauta de exportação brasileira, que extrai o produto bruto e o exporta para que seja industrializado fora”, disse.

Leandro Lanfredi, diretor do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) e militante do Movimento Nossa Classe, disse que a ênfase brasileira em produtos primários, incluindo o petróleo, já foi maior no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Sob gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ela segue grande.

“O Brasil ainda exporta muito petróleo cru, minério e outros”, lembrou. “No caso do petróleo, a exploração gera uma quantidade pequena de empregos quando comparado ao refino e principalmente à pesquisa na área.”

Papel da Petrobras

Lanfredi enxerga um papel fundamental da Petrobras no crescimento das exportações do petróleo no Brasil. Por mérito próprio, a empresa descobriu óleo na camada do pré-sal, em 2006, o que quase triplicou a produção petrolífera nacional em duas décadas.

Em 2000, o Brasil produzia 456 milhões de barris equivalentes anuais. Em 2024, chegou a para 1,23 bilhão de barris – 173% a mais. Hoje, 80% do óleo brasileiro vem do pré-sal, o que comprova a importância da iniciativa da Petrobras para a soberania energética do país.

Lanfredi ressaltou que a Petrobras não atende só a interesses nacionais. A empresa é controlada pelo governo, mas tem maioria de acionistas privados, boa parte deles estrangeiros. Para eles, mais importante que refinar petróleo no Brasil é lucrar rapidamente com a exportação.

Já a falta da iniciativa da empresa em refinar esse petróleo internamente tem a ver também com desdobramentos da operação Lava Jato e decisões de governos passados. A Lava Jato paralisou projetos para o setor de refino tocados pela estatal. Já sob o governo Bolsonaro, a Petrobras ainda também vendeu quatro refinarias. 

Eric Gil Dantas, economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), disse que a Petrobras retornou projetos durante a gestão Lula. Há investimentos em andamento na Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, e Refinaria Planalto de Paulínia (Replan), no estado de São Paulo. A empresa argumenta que eles seriam suficientes para zerar o déficit de refino no país. Dantas concorda, mas não porque os investimentos realmente seriam definidores, mas pela mudança do padrão de consumo de combustível, não só no Brasil como em todo o mundo.

“É possível zerar o déficit haja visto que a eletrificação da frota brasileira está crescendo em um nível maior do que o esperado”, afirmou o economista.

Vale a pena?

Dessa mudança de padrão de consumo de combustíveis, surge uma dúvida sobre o investimento em refino: ainda vale a pena investir em refinarias?

Para Pedro Faria, economista, a resposta não é simples. Construção e ampliação de parques de refino demandam altos recursos, que só se pagam a longo prazo. 

Considerando a transição energética, segundo Faria, pode ser que realizar um investimento como esse possa não vale mais a pena.

“Estima-se que o pico de demanda por petróleo no mundo se dará em 2040. Investir em refinaria quando a demanda do que é produzido ali tende a cair é um dilema”, pontuou. “São bens de capitais caríssimos que podem não ser úteis no futuro.”

Marcelo Simas, economista e professor de Geopolítica das Energias na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Fundação Getúlio Vargas (FGV), ratifica a dúvida sobre a viabilidade do investimento em refino. Ele argumenta, inclusive, que nenhuma empresa investe na área dada as estimativas de demanda de combustível.

“O investimento em refino é extremamente caro e seu retorno vem em 25 ou 30 anos”. disse ele. “O retorno de uma nova refinaria iniciada hoje viria em 2050 ou 2055, quando provavelmente não teríamos mais demanda para ela.”

Dantas, por outro lado, pondera que a demanda brasileira por diesel tende a crescer nos próximos anos. Isso por si só justificaria a ampliação de refinarias. Se fossem construídas, elas poderiam ainda tornar o Brasil exportador de combustível a outras nações que também continuarão os demandando pelo menos no médio prazo.

“Deveríamos retomar a ambição da década de 2000, quando a Petrobras tinha planos de ser uma exportadora de combustíveis. Isso teria um impacto enorme na economia brasileira”, disse ele, ratificando um projeto que também é defendido pelo Ineep. “Isso também diminuiria a emissão de carbono no mundo, tendo em vista que o petróleo brasileiro não precisaria viajar para a Ásia, e nem o combustível americano ou do Oriente Médio precisaria viajar até o Brasil.”

Petróleo pra quê?

Faria acrescentou à discussão o fato de o Brasil estar se consolidando como um exportador de petróleo num momento de aquecimento global e crise climática. Ele, pessoalmente, considera que o país precisa cortar suas emissões de carbono causadas principalmente pelo desmatamento antes de pensar em limitar a exploração dos seus recursos. Ainda assim, o assunto é importante e precisa ser considerado.

Lanfredi finalizou pontuando que é preciso discutir também a forma como o governo usa o recurso oriundo do petróleo. Mesmo exportado, o óleo gera receitas. Para ele, considerando as regras fiscais vigentes no país, o dinheiro não se transforma em melhorias para a população, mas é usado para o pagamento da dívida pública. “Ele não se reverte em saúde, educação, transporte, moradia”, reclamou. 



Fonte ==> Brasil de Fato

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