19 de abril de 2025

PM apaga postagem que expunha terreiro após ação do MP contra racismo religioso

PM apaga postagem que expunha terreiro após ação do MP contra racismo religioso

Quase dez anos depois, a Polícia Militar de Sergipe removeu de seu site matéria jornalística que informava a apreensão de atabaques e outros instrumentos sonoros durante um rito de candomblé em Aracaju. O caso ocorreu em 2016 e representa um marco da luta contra o racismo religioso no estado.

A exclusão ocorreu após solicitação do promotor Julival Rebouças Neto, diretor da Coordenadoria de Promoção da Igualdade Étnico-Racial, do Ministério Público estadual. A manutenção da notícia, disse o representante no MP em ofício ao qual CartaCapital teve acesso, “configura situação vexatória aos povos de terreiro em Sergipe” e viola o direito à liberdade religiosa, previsto na Constituição.

Escreveu o promotor: “Para as religiões de matrizes africanas, a música é um canal de comunicação com o sagrado. Historicamente, o uso de tambores, atabaques e de outros instrumentos musicais são parte indissociável da expressão de suas crenças, e, portanto, da liberdade religiosa que envolve a observância de dogmas e rituais específicos de uma religião”.

O comando da PMSE informou ter removido o conteúdo na semana passada. Quem pesquisa sobre o caso na internet ainda consegue visualizar o link que menciona a apreensão dos instrumentos. A imagem de capa utilizada na publicação também permanece disponível. Ao abrir o site da corporação, porém, lê-se a mensagem “404 – página não encontrada”.

A apreensão dos atabaques ocorreu após moradores do bairro América – onde a instituição religiosa liderada pelo babalorixá Laércio Santos Silva (conhecido como Lau de Omolú) ficava sediada, acionarem a polícia com base na Lei de Perturbação do Sossego. Os agentes, então, foram ao local e apreenderam os instrumentos que estavam sendo utilizados durante um rito afroreligioso.

Diante das pressões, o sacerdote transferiu seu terreiro para Nossa Senhora do Socorro, cidade localizada na região metropolitana de Aracaju. “Os policiais sequer verificaram se estávamos ultrapassando o limite de decibéis previstos na lei. Eles simplesmente levaram os atabaques e publicaram no site como se aquilo fosse um troféu. Não fui o primeiro e nem serei o último, infelizmente”, relembra Silva.

Os instrumentos só foram devolvidos em 21 de junho daquele ano por ordem da juíza Juliana Nogueira Galvão Martins. O caso contou com atuação do advogado Ilzver Matos, hoje professor de Direito na Universidade Federal de Sergipe.

A devolução se deu no bojo de uma Ação de Restituição de Coisa Apreendida. A magistrada entendeu que os atabaques não eram objetos utilizados para cometer crimes e considerou a sua importância para o candomblé. Na avaliação de Ilzer, a medida adotada pela PM, apesar da demora, concede aos terreiros de Sergipe “o direito de consideração, respeito e reparação”.

“No lugar de pedir a restituição de um objeto de crime, coisa que os atabaques não são, fundamos a petição na natureza religiosa dos atabaques e na sua essencialidade para os povos de terreiro e de matriz africana, de modo a demonstrar que sua restituição era uma forma de se promover a restauração da dignidade daquela comunidade e de proteção do seu patrimônio histórico e cultural”, explica o defensor.

Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos divulgados no início de 2025 apontam que o Brasil registrou mais de 3,8 mil denúncias de intolerância religiosa no ano passado, sendo a maioria relacionadas às religiões de matriz africana (candomblé e umbanda) – um aumento de 80% em relação a 2023. Em Sergipe, foram 14 ocorrências (eram nove no período anterior).



Fonte ==> Casa Branca

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