Anitta trocou de rosto, literalmente, e não foi só ela. Estamos vendo surgir uma geração que não quer mais parecer uma versão melhor de si mesma, mas quer parecer outra pessoa, ou melhor, um avatar digital, um filtro do Instagram em carne, osso e bisturi.
As clínicas na Coreia do Sul não param. Excursões inteiras de mulheres saindo do Brasil para voltar com o famoso “rosto em V”, olhos grandes e puxados, nariz afilado, mandíbula sumida, pele translúcida. Tudo para alcançar aquele ideal estético que mais parece um personagem de videogame do que um ser humano real.
A vida virou um jogo e o corpo, uma skin que você troca quando enjoa. O cirurgião virou o novo programador, o corpo real virou o “antes” vergonhoso, o filtro virou o “depois” desejável.
Não se busca mais harmonizar, se busca anular, apagar a história do próprio rosto, a expressão que conta quem você é. Querem desaparecer com a mandíbula, o sorriso natural, as linhas de expressão e com qualquer prova de humanidade.
Estamos vivendo a era do uncanny Beauty, uma beleza tão artificial que é atraente e estranha ao mesmo tempo, tão perfeita que parece alienígena, tão padronizada que causa desconforto. Você olha e não sabe se é uma boneca, uma IA ou uma pessoa.
A estética coreana, dos K-idols e dos filtros asiáticos, trouxe uma suavidade infantilizada que virou o novo padrão global e o mais assustador é perceber que as pessoas não querem mais ser admiradas por quem são, mas por como conseguiram se tornar irreais.
A pergunta que ninguém está fazendo é: por que temos tanta vergonha de parecer humanos?
A dor de envelhecer, a comparação constante, o vício em dopamina gerado pelas curtidas e validações criaram uma sociedade que odeia rugas, poros, pele real. O que antes era vaidade virou vício e o que era autocuidado virou automutilação estética.
“Mas é bonito!”, dizem. É bonito até que ponto? Até o momento em que todo mundo fica igual, até o momento em que você não se reconhece mais no espelho ou até o momento em que a expressão humana se torna defeito?
Não estou dizendo que você não deve se cuidar ou fazer procedimentos. O problema não é querer melhorar. O problema é quando melhorar significa se anular, quando a busca pelo “perfeito” vira uma fuga covarde de quem somos.
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Será que a gente vai passar a vida inteira tentando se parecer com um filtro, enquanto a nossa alma apodrece dentro de uma carcaça instagramável? Será que vamos continuar sacrificando identidade em troca de aprovação?
Você pode se reinventar, mas cuidado para não se perder. Porque no fim, depois de tanta harmonização, recorte, lipo, puxadinha, talvez o maior vazio não seja o da bochecha, mas o da alma.
A avatarização estética não é só uma tendência, é um sintoma, um alerta claro de uma geração que desistiu de ser humana para caber em um feed e no fundo, toda essa pressa de virar boneca revela uma dor profunda, que é a vergonha de simplesmente ser gente.
Essa busca desenfreada por se transformar em “outra” pessoa revela uma dor silenciosa e coletiva da incapacidade de se aceitar, de se olhar no espelho e ver valor no que é real, único e imperfeito.
É uma corrida cruel, onde cada intervenção promete preencher um vazio que, na verdade, não é externo e quanto mais se corre, mais distante fica da própria essência.
Fonte ==> Folha SP