A escritora e jornalista Bianca Santana lançou o seu primeiro livro de ficção, Apolinária, que conta a história de sua avó, mulher negra, que migrou do interior da Bahia para São Paulo em 1946. A narrativa se desenvolve em primeira pessoa, alternando a voz da avó com a da neta, refletindo sobre trajetórias, memórias e desigualdades históricas.
“Essa história de uma mulher, migrante, nordestina, que chegou ao Sudeste, trabalhou quase a vida toda como empregada doméstica, é uma história tão comum no Brasil. É a história das mulheres negras, das nossas mães, avós, de mulheres também da minha geração. Mas é uma história que ainda não está suficientemente contada, principalmente na subjetividade dessas mulheres e do ponto de vista delas, como perceberam as casas onde trabalharam, as relações sociais, raciais e a própria história do Brasil”, diz Santana.
O romance também aborda marcos históricos, como a Lei de Terras de 1850 e as Romarias a Bom Jesus da Lapa, que agradecia o fim da escravidão, eventos pouco conhecidos que evidenciam a exclusão das pessoas negras do acesso à terra e aos direitos básicos após a abolição da escravidão no Brasil.
“Conceição Evaristo fala que, por muito tempo, as mulheres negras foram narradas na literatura pela pena dos homens brancos. […] Quando pensamos na Lei de Terras, não é sempre que colocamos essa lei como uma lei racista no Brasil. Isso beneficiou a elite rural, branca. […] A nossa questão agrária tem raízes históricas importantes e racistas”, afirma.
Autora de uma coluna no jornal Folha de S. Paulo, Bianca Santana defende a importância da diversidade de vozes para compreender o Brasil. “O objetivo é contribuir. A imprensa brasileira privilegia um olhar das elites econômicas e políticas sobre o país. Então quando ampliamos as nossas possibilidades de olhar para o Brasil e para o mundo, ampliamos também o nosso repertório e nossas possibilidades democráticas”, diz.
Trabalho doméstico e novos espaços
Bianca conecta a narrativa do livro ao seu trabalho anterior, a obra infantil Quem Limpa?, que discute a desigualdade racial e estrutural por meio do trabalho doméstico majoritariamente realizado por mulheres negras.
“O trabalho doméstico é uma questão tão fundante de quem nós somos, porque no pós-abolição não tinha trabalho para as pessoas negras. […] O único debate sobre indenização na época era para indenizar os proprietários das pessoas escravizadas. Uma coisa muito absurda. E as pessoas negras não tinham nenhum espaço naquele novo momento de trabalho livre”, lembra.
Diante disso, a autora celebra eleição da escritora Ana Maria Gonçalves para a Academia Brasileira de Letras (ABL), espaço historicamente excludentes. “Se as mulheres negras são 25% da população brasileira e escrevem desde o século 19, como só agora temos uma mulher negra na ABL? […] Espero que Ana Maria Gonçalves seja a primeira de muitas mulheres negras a ocupar esse lugar de prestígio”, declara.
Para ouvir e assistir
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Fonte ==> Brasil de Fato