Cantor foi encontrado pelos agentes em casa, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio O Comando Vermelho tem usado MCs e influenciadores digitais como ferramentas para difundir sua ideologia, enaltecer o tráfico e movimentar recursos obtidos com atividades criminosas. A avaliação é da Polícia Civil do Rio, que aponta que esses artistas atuam como instrumentos de propaganda da facção, promovendo shows em comunidades dominadas pelo grupo, incentivando o uso de armas e drogas e lavando dinheiro por meio de eventos financiados pelo crime organizado. Um dos alvos dessa linha de investigação é o cantor MC Poze do Rodo, preso temporariamente nesta quinta-feira durante operação da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE).
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A polícia informou, durante a entrevista coletiva na Cidade da Polícia, que o artista teria ligação direta com o Comando Vermelho, ao fazer apologia à facção em suas músicas e participar de eventos bancados por traficantes. Durante o cumprimento de mandados, foram apreendidos celulares, joias com símbolos da facção, documentos, eletrônicos e uma BMW.
A DRR cumpriu contou o mandado de prisão temporária na casa do cantor, no Recreio dos Bandeirantes, e dois de busca e apreensão. Segundo as autoridades, foram reunidas provas que ligam o artista à facção.
De acordo com o delegado Moyses Santana, titular da DRE, os investigadores reuniram evidências de que MC Poze participou de eventos financiados pelo tráfico e compôs músicas que exaltam o uso de armas e ataques a forças de segurança e facções rivais.
— Foram colhidas diversas evidências que apontam a ligação do Poze com o Comando Vermelho, tais como a realização de shows em comunidades dominadas pela facção e músicas que propagam o uso de armas de fogo contra outras facções e forças policiais — afirmou Santana. — A investigação identificou que a facção utiliza os lucros desses bailes para financiar a compra de armamento, a construção de barricadas e outras estruturas criminosas. Há também suspeitas de crimes como lavagem de dinheiro e promoção de jogos ilegais, como as chamadas “casas de apostas” e “jogos de tigrinho”.
Policiais com material apreendido na casa de MC Poze do Rodo
Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Durante o cumprimento dos mandados, foram apreendidos celulares, documentos, eletrônicos, joias — muitas delas com símbolos que fariam alusão ao Comando Vermelho — e veículos, um deles com indícios de adulteração de sinal identificador. Apesar da suspeita de posse de armas, nenhuma foi encontrada na casa do cantor.
A mulher de MC Poze, Vivi Noronha, compareceu à Cidade da Polícia acompanhada de seguranças, mas não deu declarações à imprensa. Segundo a Polícia Civil, ela não é alvo da operação.
‘Afronta à sociedade’
A operação ocorre poucos dias após um show realizado por MC Poze na Cidade de Deus, onde, segundo a polícia, traficantes portavam dezenas de fuzis em meio ao evento. Para os investigadores, o cantor exerce papel central na estrutura de comunicação e propaganda da facção.
— Na véspera da morte de um policial, ele estava fazendo um show de apologia à facção criminosa na CDD, com dezenas de fuzis para o alto. Uma grande afronta à sociedade e, principalmente, aos moradores de bem que são oprimidos por criminosos. Esse é o papel dele na facção — afirmou o delegado Carlos Oliveira, subsecretário de Polícia Civil.
O secretário de Polícia Civil, delegado Felipe Curi, enfatizou que Poze atua como “instrumento de guerra informacional do Comando Vermelho”.
— Esse suposto MC transformou a música em um instrumento de dominação, divulgação e disseminação da ideologia da facção criminosa — declarou. — Ele dissemina que o crime é uma necessidade social. As letras são instrumentos de propaganda, enaltecendo armas de grosso calibre, uso de drogas, discurso antipolícia e disputas territoriais. Isso extrapola qualquer manifestação cultural ou liberdade de expressão. São elementos de cooptação e aliciamento de menores. É por isso que a Polícia Civil atuou hoje no campo da guerra informacional.
Curi também destacou que, em muitos casos, o impacto das letras é mais lesivo que a violência física.
— Esse falso artista preso hoje tem um alcance incalculável, muitas vezes mais nocivo que o disparo de um fuzil. O crime organizado atua em duas frentes: no território e no campo da comunicação. Hoje, combatemos essa última.
Gravadoras e artistas sob investigação
A operação também mira gravadoras e empresários do setor musical que, segundo a polícia, estariam envolvidos na promoção da chamada “narcocultura”. A investigação busca esclarecer até que ponto essas empresas atuam como produtoras legítimas ou se operam como braços financeiros do tráfico.
Entre os nomes mencionados na investigação estão os de outros artistas do cenário do trap e do funk, como Oruam, Cabelinho e Orochi — este último sócio da gravadora Mainstreet. Segundo a DRE, um dos shows realizados por Poze na Cidade de Deus teria movimentado cerca de R$ 600 mil.
— As gravadoras também são alvos de investigação. Queremos entender se estão apenas cumprindo seu papel artístico ou se estão, de fato, fomentando a propaganda do crime — disse Santana. — A facção que ele enaltece em suas músicas é responsável por cerca de 70% dos roubos de veículos e cargas no estado. É isso que está sendo celebrado nesses shows.
Impacto social nos territórios
A Polícia Civil também chamou atenção para o impacto desses eventos nas comunidades. Para o delegado André Neves, os bailes — muitos deles ocorrendo a céu aberto até o amanhecer — representam riscos concretos para os moradores.
— Existem produtores por trás desses bailes se beneficiando da venda de drogas e de tudo o que circula nesses eventos, sem nenhum respeito à população — afirmou. — São bailes com centenas de fuzis, músicas exaltando o Comando Vermelho e nenhuma consideração pelas pessoas ao redor: mulheres grávidas, crianças, doentes. Isso nunca entra na análise sobre esses “shows”.
O subsecretário de Polícia, Carlos Oliveira, frisa que os moradores das comunidades são os que mais sofrem com esses eventos:
— Tem que olhar esses shows sob a ótica do morador. A imprensa não fala, os estudiosos não falam, mas as pessoas do entorno desses eventos são as que mais sofrem. Tem gente doente, mulheres grávidas, crianças e adultos que precisam de tranquilidade. Isso nunca é considerado. A gente espera que as pessoas tenham isso em conta quando fizeram sua análise e desses eventos que se dizem shows.
Para os investigadores, a ação desta quinta-feira representa um marco no enfrentamento ao uso da arte e da cultura como ferramenta de recrutamento e fortalecimento do crime organizado.
— Não estamos tratando apenas de questões filosóficas ou ideológicas. Estamos falando de crimes — concluiu delegado Moyses Santana. — Essa investigação é técnica e embasada. Não são apenas as armas de fogo que trazem prejuízos para as comunidades vulneráveis, mas também esses elementos que subvertem os valores sociais e culturais fundamentais na formação dos jovens.
As investigações apontam para produtoras de shows, que seriam vinculadas a chefes do tráfico de drogas e que promovem esses shows dentro das comunidades. Também são alvos algumas empresas que patrocinam esses eventos.
— Essas empresas, essas produtoras, são alvos de investigação tanto por associação ao tráfico como também por lavagem de dinheiro. As investigações estão em andamento para a gente poder identificar cada um dos envolvidos — afirmou o delegado André Neves.
Fonte ==> Folha SP e Globo
