A retomada de conversas para encerrar a Guerra da Ucrânia é motivo de celebração contida. Negociar a paz em um conflito sem vencedor claro é sempre mais difícil, já que os lados envolvidos tendem a jogar com seu rol de concessões.
Foi assim quando os Estados Unidos decidiram deixar o atoleiro da Guerra do Vietnã. A primeira reunião entre americanos e norte-vietnamitas em Paris ocorreu em maio de 1968, mas a paz só seria impressa em tinta na capital francesa quase cinco anos depois, em janeiro de 1973.
A campanha de Donald Trump para cessar a carnificina iniciada por Vladimir Putin em 2022, por válida que seja, reflete sua impaciência num cenário de imediatismo inconsequente —tudo o que ele quer é poder dizer que acabou com a guerra. E também espelha uma visão de mundo em que a força bruta é o maior ativo.
Ponto para o autocrata russo, portanto. Com efeito, o americano iniciou sua jornada pacificadora com alteração da política do país que de fato prolongava a guerra de forma indefinida. Para tanto, endossou a versão de Moscou para a origem do conflito e aceitou os termos colocados por Putin para a paz.
Trump forçou o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, a negociar e sabe que Putin pode não ter dobrado o vizinho, mas tem vantagem em campo. O republicano busca uma posição de controle do processo que, ao fim, não exerce sem que o principal favorecido seja o Kremlin.
O vaivém nos anúncios de algum tipo de trégua no combate decorre disso. Primeiro, Trump disse que haveria uma pausa completa por 30 dias, aceita pela Ucrânia e rejeitada pela Rússia. Depois, fatiou a proposta, focando na suspensão pelo mesmo período de ataques mútuos à infraestrutura energética.
Faltou o averbado, e os drones seguiram voando de lado a lado. Ante essa realidade, direcionou equipes de negociadores aos dois antagonistas. Enfim, obteve documentos que visam parar tais ataques e logrou trégua nas atividades ofensivas no mar Negro.
O Kremlin afirma que só vai aderir ao cessar-fogo marítimo se suas exportações de fertilizantes forem liberadas por lá —o que depende do fim das sanções ao banco de fomento agrícola russo. Vale lembrar que o mar Negro hoje é local secundário, do ponto de vista militar, na guerra.
Assim, Putin oferece migalhas por um prêmio maior: a volta paulatina da Rússia ao sistema de comércio internacional. Faz isso manipulando Trump, que sinalizou aprovar a manobra só para poder exibir vitória pontual.
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Fonte ==> Folha SP