Quando esconder o preço funciona melhor – 03/05/2025 – Deborah Bizarria

Jeff Bezos, fundador da Amazon, durante cerimônia de posse de Donald Trump

Há alguns dias, a Amazon estava pronta para mostrar ao consumidor, de forma explícita, quanto uma tarifa de importação está encarecendo o produto. Em vez de apenas embutir o custo no valor final, a plataforma cogitou destacar uma linha ao lado do preço, informando que aquele aspirador de pó de 140 dólares, por exemplo, estava saindo por 195 por causa das tarifas impostas pelo governo americano. A medida teve vida curta. Bastou a iniciativa se tornar pública para a Casa Branca reagir, acusando a empresa de politizar o comércio. Trump ligou pessoalmente para Jeff Bezos e a ideia foi retirada de circulação.

A decisão da Amazon não foi um aceno ideológico. Foi cálculo de mercado. Num contexto de inflação persistente, desaceleração do consumo e concorrência apertada com varejistas como o Walmart, a empresa buscava um reposicionamento sutil. Se o consumid or vai reclamar do preço, que ao menos saiba que o problema não está na loja, mas no tributo. A tarifa se torna um vilão visível. O produto, uma vítima da política comercial. E o consumidor, um possível aliado contra o protecionismo.

O problema é que isso não costuma funcionar tão bem quanto parece. Alguns estudos empíricos mostram que o consumidor reage mais fortemente a preços quando os custos extras estão discriminados. Em um experimento de campo clássico, Raj Chetty, Adam Looney e Kory Kroft mostraram que o simples ato de incluir o imposto no preço de prateleira, em vez de adicioná-lo apenas no caixa, reduziu a demanda em cerca de 8%. Isso porque, mesmo que o valor final seja idêntico, a forma como ele é apresentada interfere diretamente na decisão de compra. O preço que aparece é o preço que pesa. E o que não aparece, o consumidor tende a ignorar.

Essa é uma dinâmica bem conhecida no varejo digital. Os chamados preços particionados, em que o valor principal é separado de taxas, tarifas e fretes, aumentam a propensão de compra, pois reduzem a saliência do custo total. A literatura em economia comportamental chama isso de efeito da atenção limitada. Consumidores não processam todos os elementos da oferta com igual peso. Se o preço base parece acessível, há mais chances de seguir com a compra, mesmo que os acréscimos posteriores tornem o valor final maior do que em produtos concorrentes com preços mais transparentes. A concorrência não se dá apenas entre preços reais, mas entre percepções artificiais.

A tentativa da Amazon era arriscada. Mostrar a tarifa como item separado pode até agradar consumidores atentos, mas tende a assustar. No fim, o consumidor culpa quem está mais próximo. Mesmo quando a sobretaxa vem do governo, é a Amazon quem aparece na tela, quem entrega o produto e quem paga o preço da insatisfação.

No varejo global, quanto menos visíveis os custos, maior o risco de que a transparência jogue contra quem tenta praticá-la. No Brasil, isso é ainda mais evidente. O país impõe algumas das tarifas de importação mais altas do mundo, sobretudo sobre bens de dinamização como eletrônicos, ferramentas e insumos produtivos. Apesar disso, o impacto dessas tarifas raramente chega claro ao consumidor. Ele vê o preço final, mas não os mecanismos que o inflacionam. A estrutura tarifária permanece diluída em siglas, repasses e camadas que tornam quase impossível identificar onde, exatamente, o valor encarece.

Se os sites mostrassem com clareza quanto do valor final corresponde a tarifas de importação, talvez o debate público ganhasse outra qualidade. Talvez fosse mais difícil justificar políticas protecionistas que punem o bolso e travam o acesso à inovação. Mas também é possível que nada mudasse. Que o consumidor simplesmente rejeitasse os produtos com tarifas visíveis, preferindo comprar de quem continua disfarçando os custos.

No fim das contas, tornar visível o impacto das tarifas não é apenas uma decisão técnica. É uma escolha política, estratégica e de marca. É também um teste de quanto o consumidor está disposto a saber.



Fonte ==> Folha SP

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