Há dois males frequentes na cada vez mais numerosa coleção de séries no ar: o esticamento do roteiro, ao ponto de este se esgarçar e virar um fiapo do que talvez pudesse ser um bom filme de duas horas, e, quando há sucesso, a divisão do que deveria ser uma única temporada em duas. A temporada derradeira de “Round 6” sofre de ambos.
O fenômeno sul-coreano sobre gente que se enfrenta até a morte em ringues de jogos infantis na disputa por um prêmio em dinheiro voltou ao ar na semana passada e é o exemplo mais acabado desses dois problemas. Não está sozinho na lista, porém: sucessos de público e crítica muito apreciados por esta coluna, como “Game of Thrones”, “The Last of Us” e “O Urso”, são vítimas recentes do mesmo truque.
Se em “O Urso” a segunda metade da temporada dividida pôs a obra de volta no prumo, e em “The Last of Us” há expetativa de que isso aconteça, em “Round 6” se deu o oposto. A meia temporada anterior explora mais a vida fora da ilha onde os jogos se dão, fazendo com que a série sobrevivesse ao megahype da estreia; esta de agora, por sua vez, é uma repetição previsível das cenas de sangue e desespero vistas anteriormente, com surpresa nenhuma.
Não há como negar que Hwang Dong-hyuk tenha uma habilidade incomum de manter o espectador hipnotizado com as cenas de competição, nem que a direção de arte com suas cores de paleta “candy” hipersaturadas e elementos infantis nostálgicos seja um trunfo visual já inscrito na cultura pop desta década. Passados 16 episódios, porém, isso é pouco. Essa leva final carece de duas coisas fundamentais: roteiro e atuação.
Se na temporada anterior havia a história da amizade do protagonista Gi-hun (Lee Jung-jae) com o vilão maior que coordena o jogo (Lee Byung-hun) a conduzir a história, nesta não há nenhum conflito para costurar o enredo. Ficamos apenas com uma edição da sequência de jogos.
As duas tramas paralelas apresentadas —uma refugiada norte-coreana quer salvar um colega do jogo e um detetive (Hwang Jun-ho) tenta achar a ilha misteriosa sem saber que ela é comandada por seu irmão— vão a lugar nenhum, com algum deleite nas bem coreografadas cenas de luta da refugiada (Park Gyuyoung).
Já o problema de atuação centra-se em Lee Jung-jae. Carismático e capaz de absorver toda as nuances de seu personagem, que vence o jogo na primeira temporada e volta à arena para caçar os organizadores da carnificina, ele é uma das razões do sucesso de “Round 6”. Pois o talento que lhe rendeu um Emmy virou lembrança agora.
Após o que acontece no fim da temporada anterior, Lee adota um registro monocórdico e uma expressão insípida para criar a versão arrependida de Gi-hun. O personagem com mais camadas da série é assim reduzido à versão achatada e pálida do anti-herói inesperado que deveria representar.
É uma decepção tremenda diante das expectativas que o título criou, a ponto de estrear como o mais visto em todos os países onde a Netflix opera.
Criador e plataforma já disseram que não estenderão “Round 6” por mais temporadas. Um vislumbre de uma possível versão americana, porém, fica no ar com a cena final e a participação surpresa de uma atriz peso-pesado de Hollywood.
As três temporadas de “Round 6” estão disponíveis na Netflix
Fonte ==> Folha SP