24 de setembro de 2025

Rui Tavares: Lula e Trump estão além da mera divergência – 23/09/2025 – Rui Tavares

Um homem com cabelo loiro e terno escuro está em um palco, apontando com o dedo indicador. O fundo é de uma parede verde e há uma escada ao lado. O homem parece estar em um momento de discurso ou apresentação.

O planeta Lula e o planeta Trump orbitaram perto um do outro. Deram um abraço. Trump disse que tinham gostado um do outro, e que quando não gosta, não gosta, nem faz negócio. Mas que tinha havido 39 segundos de boa química.

De onde vinham eles? Do Brasil, dos Estados Unidos? Da Terra, da Lua? De que galáxias, de que universos ou multiversos?

Para mim, vinham de séculos distantes, anos-luz opostos. O problema é saber qual século é o nosso.

O discurso de Lula foi um discurso de um tempo em que os líderes internacionais faziam discursos normais. Podemos gostar menos ou mais, mas o conteúdo está lá e é correto, a ciência é mencionada e há respeito por ela, ninguém é ridicularizado, nem sequer o direito internacional, a soberania do país e do seu Judiciário é defendida como seria de esperar, podemos discordar sobre a Ucrânia e concordar sobre a internet ou vice-versa, mas aquilo ainda é o que em tempos nos habituamos a reconhecer como o discurso de um chefe de Estado no púlpito das Nações Unidas.

Quanto ao discurso de Trump, o mínimo que se pode dizer é que já nada nos espanta. Estamos agora tão habituados às suas hipérboles e fanfarronices, à presunção e má-educação, aos insultos e ofensas, que ficamos imunizados. É preciso fazer um esforço de desnaturalização para conseguir ganhar distância e perceber o quão louco é ouvir um discurso de um presidente dos EUA assim.

Ainda me lembro do primeiro discurso de Trump nas Nações Unidas e de como ele chocou então a comunidade diplomática e a opinião pública internacional. Agora já ninguém reage assim; é só mais um discurso louco de Trump.

Chegados a este ponto, costuma sempre haver quem acusa o colunista de má vontade, elitismo, arrogância esquerdista (arrogância da má; a arrogância de Trump é evidentemente justificada e da boa) etc. O rei não vai nu; ele é lindo de terno azul e gravata vermelha. Onde uns veem loucura outros veem gênio.

Não vejo outro jeito senão admitir que coexistem neste nosso século dois séculos muito diferentes. É como se cada um deles tivesse nascido de uma bifurcação ocorrida em algum lugar no nosso passado recente, criando dois futuros alternativos que deveriam ter ido parar a multiversos distintos, mas que por uma qualquer razão estão sobrepostos um no outro. Não consigo descrever de outra forma o sentimento de disjunção que isso me provoca.

E, no entanto, eu nasci no tempo da Guerra Fria. Àquela altura, o mundo estava dividido em blocos, e cada bloco tinha o seu próprio sistema. Esperava-se que cada um desses sistemas fosse diferente em tudo: economia, organização do trabalho, moralidade, consumo. Mas os seus diplomatas e políticos ainda eram formados na mesma escola, exprimiam-se na mesma linguagem de moções e resoluções, representavam os seus Estados de formas que eram ainda mutuamente inteligíveis.

A diferença hoje é sobretudo de cultura e atitude. Ainda há um mundo em que se espera que os chefes de Estado se comportem de uma certa maneira. Mas agora há também um outro em que se espera tudo e já nada surpreende. Enquanto isto durar, é o planeta com a órbita mais excêntrica que determinará o nosso futuro.



Fonte ==> Folha SP

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