O hip-hop é um movimento de afirmação cultural e ocupação artística feito por jovens da periferia. Surgiu como uma injeção de ânimo num cenário de incertezas em que se buscavam novas formas de expressão quando a ditadura dava seus últimos suspiros. Nascido no bairro do Bronx, em Nova York, chegou ao Brasil com características próprias e com uma enorme vibração criativa.
A exposição “HIP-HOP 80’sp – São Paulo na Onda do Break”, aberta no Sesc 24 de Maio, mostra toda essa energia transformadora, que ganhou visibilidade em 1985, na estação São Bento do metrô e em bailes que aconteciam pela cidade.
Expõe também seus símbolos e relíquias, como roupas da época, equipamentos de som originais, flyers de bailes black e inúmeras fotografias. São mais de três mil peças que contam a história dessa aventura musical e dançante.
Como diz um dos principais expoentes do hip-hop nacional, o dançarino Nelson Triunfo, “os encontros na estação São Bento são um dos dos eventos mais originais do mundo.” O improviso se somava à liberdade de criação coletiva e a música e a dança eram uma forma de resistência.
Mas não se tratava de uma festa, e sim de uma plataforma para fazer política e se divertir. Tinha muita troca de informação, que era chamada de “batalha do conhecimento”.
O hip-hop tem quatro elementos: o rap (música), o DJ, o breaking (dança) e o grafite. Um dos curadores da exposição e pioneiro do movimento Rooneyoyo, diz que no Brasil a situação foi diferente dos Estados Unidos.
“Eu fazia datilografia na rua 24 de Maio e logo me interessei pelo que acontecia na rua”, conta. “Aqui a gente adaptava, não possuía as mesmas condições financeiras, gostava de músicas que para eles não eram sucessos, falava outra língua e não tinha acesso a roupas de marca. Na parte da dança uma das diferenças era a influência da capoeira.”
A exposição começou a ser concebida há cinco anos em uma conversa com Danilo Miranda, já falecido, que adorou a ideia. O Sesc 24 de Maio era um lugar emblemático porque a esquina com a rua Dom José de Barros foi o verdadeiro marco zero do hip-hop.
Naquele ponto, os primeiros encontros aconteceram, antes de migrarem para a estação São Bento. Em outras regiões da cidade e em vários estados também havia rodas de break e rap.
Na época em que o hip-hop rolava na esquina das ruas 24 de Maio e Dom José de Barros às vezes vinha a polícia e os meninos tinham dificuldade de manter a roda, lembra Rooneyoyo. Nelson Trunfo, que era o mais velho, tentava resolver a situação na conversa, mas foi preso várias vezes por dançar na rua.
Foram os irmãos João Break e Luizinho que deram a ideia de ir para a estação São Bento, onde o chão é liso e bom para dançar. O primeiro encontro no novo endereço foi em julho de 1985 e reuniu cerca de 40 pessoas. A partir daí, o pessoal começou a se reunir todo sábado.
O material apresentado na exposição foi reunido por cerca de 200 pessoas por mais de três anos. Os curadores são testemunhas da cena como OSGEMEOS, KL Jay (DJ dos Racionais MC’s), Thaíde, o breakdancer Alam Beat, primeiro girador de cabeça contínuo, e as pioneiras Sharylaine e Rose MC.
“Fizemos um recorte específico, um resgate histórico em prol da preservação da memória”, dizem os curadores. “A ênfase está na importância de mostrar às novas gerações como a cultura do hip-hop surgiu e se enraizou em São Paulo.”
O hip-hop começou basicamente como um movimento de homens. A cantora Rose MC lembra que era um círculo muito machista, mas respeitador. “A gente ia em eventos e as mulheres não cantavam, os homens diziam daqui a pouco vocês cantam, mas, no final, não cantávamos. Estávamos sempre lutando pelas oportunidades”, diz.
Com o tempo a situação foi mudando. “Comecei a cantar rap e a abrir shows para o Doctor MC’s. Hoje tenho uma carreira solo, faço eventos como MC, lancei um álbum em 2022 e surgem convites para cantar com outras mulheres”, afirma. O hip-hop ampliou seus horizontes.
Fonte ==> Folha SP