Quem mandou matar Marielle Franco? E por quê? Pela primeira vez nos últimos sete anos, o dia 14 de março não é marcado por essas duas perguntas sem resposta.
Naquela noite de 2018, a vereadora e seu motorista, Anderson Gomes, foram alvejados por tiros no Estácio, no Rio de Janeiro. Eles saíam de um evento. A assessora da vereadora, Fernanda Chaves, sobreviveu.
Após anos de uma investigação opaca e repleta de idas e vindas, a Polícia Federal finalmente deu respostas minimamente satisfatórias a este clamor, prendendo, no ano passado, o deputado federal Chiquinho Brazão (ex-União Brasil); seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão, e o delegado Rivaldo Barbosa, à época chefe da Polícia Civil fluminense.
O trio é apontado pela investigação como o responsável pela trama que resultou na morte da vereadora do PSOL. A motivação, dizem os agentes, era a atuação de Marielle contra o avanço do grupo político dos Brazão – e de uma milícia aliada a eles – em terrenos na região de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Os Brazão, incomodados com a oposição da vereadora, teriam encomendado com Rivaldo Barbosa sua morte. O delegado, por sua vez, arquitetou o plano e, segundo a PF, atuou para que as respostas para as duas perguntas — mandante e motivação — não fossem encontradas. No comando da polícia do estado, ele conduziu, como quis, as investigações até que o caso fosse federalizado.
Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa. Os três presos por mandar matar Marielle.
Fotos: Reprodução
O trio, como era de se esperar, nega as acusações, mas está preso preventivamente há quase um ano. Apesar das detenções, não há prazo definido para que sejam julgados. No âmbito administrativo, enquanto isso, os Brazão acumulam vitórias: Chiquinho mantém seu mandato como deputado federal após um pedido de cassação ser estrategicamente abafado pela aliança entre Centrão e direita na Câmara; já Domingos teve um pedido de impeachment do seu cargo no TCE negado pelo Superior Tribunal de Justiça. A falta de jurisprudência pesou em favor do conselheiro. As ‘costas-quentes’ da dupla também foram decisivas nos dois casos, indicam membros do PSOL, partido de Marielle que protocolou tanto o pedido de cassação, como a solicitação de impeachment.
“É conivência com um assassino, com o crime organizado e receio daqueles que até poucos meses eram aliados declarados deste sujeito, de terem que mostrar ao Brasil qual a sua verdadeira posição”, critica a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), uma das vozes que amplificaram a cobrança por punição aos mandantes na tribuna Câmara dos Deputados ao longo da última semana. “É um escárnio.”
Mesmo preso, Chiquinho Brazão segue ativo como parlamentar. Segundo o site da Câmara, desde sua prisão, apresentou 20 proposições legislativas. Seu gabinete continua funcionando, empregando 24 assessores e custando cerca de R$ 124 mil mensais aos cofres públicos.
A decisão sobre sua cassação está nas mãos de Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara. Até o momento, ele não deu sinais de que pretende levar o processo adiante. Questionada, a assessoria da Casa não respondeu.
Execução punida, mandantes à espera
Por ora, a PF dá como encerradas as investigações sobre o assassinato. Um desfecho efetivo, contudo, é apenas parcial. Ainda não está claro, por exemplo, quando os mandantes serão rigorosamente punidos?
Até agora, apenas os executores foram condenados: o ex-policial militar Ronnie Lessa, autor dos disparos, recebeu pena de 78 anos e 9 meses de prisão; seu cúmplice, Élcio Queiroz, foi condenado a 59 anos e 8 meses. Um recurso tenta ampliar suas penas para mais de 80 anos, mas ainda não foi julgado.
“A gente precisa garantir a apreciação em júri não só de quem matou, mas de quem mandou matar”, comenta a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL-RJ), que foi assessora de Marielle Franco e está no seu segundo mandato na Assembleia Legislativa do Rio. “Por mais que nos doa [revisitar o caso], a punição dos mandantes é importante até para o fortalecimento da nossa democracia”, argumenta.
Edição de 2024 do Festival Justiça Por Marielle e Anderson, promovido pelo instituto que leva o nome da vereadora.
Foto: Reprodução/Redes Sociais
“A condenação dos executores é um avanço, mas a busca pela responsabilização dos mandantes continua”, diz também o trecho principal de um manifesto publicado nas páginas do Instituto Marielle Franco. A entidade organiza um festival, nesta sexta-feira 14, no Rio de Janeiro, que terá a cobrança por justiça como mote. Cantores e convidados devem se revezar no palco para relembrar a trajetória da vereadora e ampliar o pedido de responsabilização dos Brazão e de Barbosa.
A vereadora carioca Mônica Benício (PSOL), viúva de Marielle, é outra a explicar o que motiva o grupo a manter a mobilização constante em torno do caso. “Cobramos justiça não apenas pelo passado, mas pelo futuro, para que nunca mais aconteça”, destacou em discurso feito na tribuna da Câmara dos Deputados na quarta-feira 12, durante uma sessão solene que homenageou Marielle Franco e Anderson Gomes. “Seguimos cobrando justiça por Marielle e Anderson para que nunca mais na história desse país aconteça nada parecido e que, independente de sobrenome, cargo político ou poder, a mensagem seja clara: a democracia será preservada e defendida porque o povo é soberano.”
As “sementes” de Marielle
Mônica Benício e Dani Monteiro são apenas dois exemplos do legado de Marielle Franco, frequentemente chamado de “sementes” por seus aliados. Além delas, várias deputadas e vereadoras que trabalharam ao lado da psolista — como assessoras ou aliadas — seguem sua trajetória política. A influência de Marielle também se estende a parlamentares de diferentes instâncias do Legislativo, que já defendiam causas semelhantes e, após seu assassinato, passaram a reforçar o compromisso de dar continuidade à sua luta.
“O MST fala na semente crioula, uma semente forjada a partir dos processos intensos de ruptura com a terra. Nós somos essa semente”, afirma Dani Monteiro. “Com a promessa de manter não só o legado de Marielle, mas o de muitos outros que vieram antes dela e também lutaram por justiça e por dignidade.”
Flores foram espalhadas pelo plenário da Câmara durante a sessão solene em homenagem a Marielle Franco, realizada na quarta-feira, 12 de março, dois dias antes da data que marca os 7 anos do assassinato da vereadora.
Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
A líder do PSOL na Câmara, Talíria Petrone (PSOL-RJ), amiga de Marielle e sua contemporânea na política — Marielle como vereadora no Rio e Talíria em Niterói —, destacou a importância de manter vivos os projetos da psolista. Para ela, dar continuidade a essa luta é essencial para perpetuar o legado de Marielle.
“Transformamos esse luto permanente em luta diária para garantir os direitos do povo”, afirmou Talíria durante a sessão da Câmara em homenagem à vereadora. No discurso, também reforçou a necessidade de aprovação do projeto de lei que cria o Prêmio e o Dia Marielle Franco, em homenagem a defensores dos direitos humanos. “Para que haja justiça, precisamos de memória. E eternizar Marielle nesse prêmio é garantir que sua história não se perca no tempo”, justificou.
Já o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ), que era vereador no Rio quando Marielle foi assassinada, vê no legado da psolista um combustível para o enfrentamento às milícias.
“Aqueles que mataram Marielle e Anderson queriam espalhar o medo. E quem são as vítimas desse terror? Todos que enfrentam as milícias e o crime organizado no Rio”, afirmou. “Mas seguiremos em luta até derrotar esses grupos. Se hoje conhecemos os executores e estamos perto de condenar os mandantes, é porque o movimento social não permitiu que esse crime caísse no esquecimento”, conclui.
(Com reportagem de Felipe Mendes)
Fonte ==> Casa Branca