20 de abril de 2025

STF entra novamente para a história, mas começou com o pé esquerdo – 29/03/2025 – Opinião

A imagem mostra uma reunião no Congresso, com várias pessoas sentadas em cadeiras vermelhas. No fundo, há um telão exibindo a imagem de um orador. À direita, uma mesa com mais pessoas, e ao fundo, um grupo de seguranças. O ambiente é bem iluminado e formal.

O Supremo Tribunal Federal vive um momento histórico. À altura de sua responsabilidade como guardião da Constituição, é chamado a julgar um dos episódios mais graves da vida democrática do país: a tentativa de ruptura institucional ocorrida em 8 de janeiro de 2023.

A atribuição decorre da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, promulgada em 2021, nos moldes do que foi instituído na Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial, e em Portugal, após o período salazarista.

No entanto, em vez de abrir este novo capítulo com a solenidade e firmeza que o momento exige, o tribunal parece ter iniciado sua jornada com o pé esquerdo.

O julgamento das ações penais originárias decorrentes dos atentados de 8 de janeiro —inclusive aquela que imputa ao ex-presidente da República e a altas autoridades militares e civis a tentativa de um golpe de Estado— está sendo conduzido pela Primeira Turma da corte, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

A decisão decorre de alteração recente no regimento interno do STF, segundo a qual as ações penais originárias devem ser julgadas pelas turmas e não mais pelo plenário, como vinha ocorrendo. Buscou-se, com isso, desobstruir a pauta do pleno, privilegiando processos de relevância coletiva e que têm implicações para toda a sociedade.

É certo que o novo regramento interno deve ser observado. Porém, é igualmente certo que o STF dispõe de instrumentos regimentais que lhe permitem, quando o caso assim exige, submeter matérias ao seu plenário, em razão de sua excepcional relevância jurídica, política ou institucional. A Constituição de 1988 reservou ao Supremo não apenas a função de julgar, mas de falar em nome da República nos momentos decisivos da história nacional.

Não há dúvida de que o processo penal contra um ex-presidente da República, generais de quatro estrelas e ex-ministros de Estado, por crimes que envolvem a tentativa de ruptura da ordem democrática, é um desses momentos “de relevância da questão jurídica”, previsto no regimento interno do Supremo. Trata-se de um caso sem precedentes, de interesse nacional e internacional, cujos desdobramentos extrapolam em muito os limites de um processo criminal ordinário.

Além disso, a decisão teria um simbolismo importante. O próprio Supremo foi um dos alvos da turba que invadiu a Praça dos Três Poderes e teve seu plenário conspurcado e destruído pela fúria da multidão. Como filosofou a ministra Cármen Lúcia, na sessão que recebeu a denúncia, “nós somos passageiros, estamos cumprindo funções, mas o Supremo é do Brasil. O plenário do Supremo é do Brasil”.

Nesse contexto, a escolha de manter o julgamento restrito a uma das turmas do tribunal —por mais qualificada e legítima que seja— enfraquece a percepção de solenidade, unidade institucional e prevalência do colegiado máximo que deveria revestir esse processo. Mais do que isso, abre espaço para questionamentos futuros sobre a legitimidade, a transparência e a imparcialidade do julgamento, especialmente em um país ainda marcado por disputas narrativas sobre sua jovem democracia.

Em tempos de polarização extrema e desinformação organizada, a forma é tão importante quanto o conteúdo. O julgamento de 8 de janeiro merecia o plenário. Merecia o Supremo por inteiro.

Que a história, implacável, não cobre amanhã o que poderia ter sido feito hoje.

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Fonte ==> Folha SP

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