Honorários de sucumbência são verbas pagas pela parte vencida à vencedora de um processo, com o objetivo de cobrir despesas com a atuação do advogado. No setor público, sua destinação a membros da Advocacia-Geral da União (AGU) tem gerado controvérsias jurídicas, éticas e orçamentárias.
Entre junho de 2024 e maio de 2025, somente no âmbito da AGU, foram pagos R$ 3,75 bilhões —cerca de R$ 320 mil extras por servidor, além de salários que variam entre R$ 25 mil e R$ 32 mil mensais. Essa prática representa uma distorção do modelo republicano e precisa ser revista, sob pena de esvaziar os fundamentos do serviço público e da moralidade administrativa.
O pagamento de tais valores por vias privadas e com pouca transparência —muitas vezes à margem do teto constitucional— representa uma distorção do modelo burocrático de Estado, que se fundamenta na impessoalidade, mérito e profissionalismo. O que vemos na AGU remete ao patrimonialismo, onde funções públicas se tornam instrumentos de renda privada, esvaziando o sentido de serviço à coletividade. É um tema urgente e precisa entrar no debate da reforma administrativa em curso no Congresso Nacional, com a participação do governo federal.
No setor privado, os honorários decorrem da lógica de mercado, com riscos assumidos pelo próprio advogado ou escritório. Já na advocacia pública, é o Estado quem financia a estrutura —salários, pessoal, suporte e custas processuais—, mas os agentes se beneficiam individualmente do êxito, como se os riscos fossem próprios. Isso cria um descompasso entre os princípios republicanos e a realidade da remuneração, transformando direitos públicos em bônus privados.
Numa carreira, há cargos cujas atribuições devem estar bem delineadas, sendo exigido de seus ocupantes exercê-las e cumprir as regras pertinentes. Uma carreira sinaliza uma trajetória profissional para seus integrantes, podendo, segundo diferentes formatos e regimes, galgar posições e cargos mais qualificados e por critérios meritocráticos. Aos degraus de qualificação, posições ou cargos, correspondem valores a serem percebidos a título de remuneração. Trata-se, portanto, de uma relação profissional, baseada num “contrato” de induzimentos (para desempenhar) e contribuições (a receber).
Na administração pública, carreiras estruturadas devem oferecer previsibilidade, estabilidade e critérios objetivos de progressão —elementos essenciais para garantir independência e continuidade nas funções técnicas. Práticas que fogem dessa lógica, como o pagamento de honorários à margem da remuneração oficial, fragilizam o sistema e alimentam desigualdades internas.
Mesmo que se deseje adotar modelos de remuneração variável por desempenho, isso deve ocorrer com base em metas claras, impacto moderado e dentro dos limites legais. O uso dos honorários como forma de remuneração paralela, fora dos parâmetros estabelecidos, é uma prática que distorce a lógica do serviço público e mina a confiança da sociedade.
Esse mecanismo tem sido usado para contornar o teto constitucional e reforçar privilégios de determinadas carreiras jurídicas, que muitas vezes se distanciam da identidade de servidores públicos e se posicionam como elites burocráticas. O resultado é uma casta apartada, com status, benefícios e padrões de vida desproporcionais à realidade nacional —inclusive quando comparados a servidores de países desenvolvidos.
Dessa perspectiva, o pagamento de honorários de sucumbência a agentes públicos subverte a ideia de carreira e enfraquece a legitimidade da burocracia. São recursos públicos apropriados por indivíduos, com respaldo institucional frágil e pouca visibilidade, configurando um modelo antirrepublicano, eticamente questionável e socialmente insustentável.
Em um Estado democrático de Direito, a moralidade administrativa é um pilar, não um detalhe. Quando práticas revestidas de legalidade ferem esse princípio, não apenas se desorganiza o Orçamento, mas se rompe o vínculo de confiança entre Estado e sociedade. É preciso reafirmar que o serviço público deve estar a serviço do público —e não de privilégios disfarçados de técnica.
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Fonte ==> Folha SP