20 de março de 2025

Take Me Back To Piauí – 22/01/2025 – Opinião

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Passeio pelo metaverso em desencanto. Há dias amigos anunciam que vão abandonar o Instagram. Tomado de indignação cívica, fiz o mesmo anúncio. Até com um leve toque de censura, como se a decisão anunciada me tornasse automaticamente superior aos que nada anunciaram. Dias depois, continuo no Instagram. Pior: meu tempo de uso aumentou. (O número é impublicável.) É que, uma vez prevista a saída, todos os meus limites tombaram, sob o pretexto supostamente justificável de uma grande esbórnia final.

Sou obrigado a admitir que o ato do anúncio não era um ato, óbvio; era apenas uma declaração, como tantas outras declarações que fiz na vida. Sou pródigo em declarações. Um ato é outro story.

Aos poucos, depois do meu grande anúncio, volto a postar. Opto primeiro por notícias relacionadas à cínica guinada de Zuckerberg. Sim, posto —digo a mim mesmo—, mas para fazer política, isto é: para corroer o sistema por dentro. O caso é que sei que é impossível corroer o sistema por dentro, pois dentro do sistema tudo é fantasmagoria e não há nada que possa ser corroído. No fundo, o que preparo com meu ativismo de rabo-entre-as-pernas é uma postagem sobre minha presente viagem ao litoral do Piauí.

Minha existência é tão de apartamento, fechado no meu fatídico home office, que nunca tenho nada de interessante do que me gabar. Mas não agora: agora estou no litoral —e não no litoral da Bahia, em Balneário Camboriú ou Jeri, que todos já cansaram de ver. Esses são lugares que, para efeito de postagem, nem existem mais, não ferem, não jogam com o desejo de ninguém. Nada disso: estou no litoral do Piauí. O que me obriga a perguntar: onde eu estava com a cabeça quando, estando de viagem marcada para o litoral do Piauí, decidi anunciar minha saída do Instagram?

Tudo se agrava, porque sou do Piauí. E, embora nunca tivesse pisado no litoral —nasci sertão adentro, muito mais ao sul— ainda assim era uma grande chance de me exibir no aparente desfrute das minhas raízes. Só que o anúncio me calava. Me martirizei: que tenho eu com as decisões corporativas de Mark Zuckerberg?

Que tenho eu com a subversão das soberanias nacionais por tech-bilionários? Que tenho eu com o fim do mundo? Quero é postar minha foto do pôr-do-sol em Barra Grande, meu passeio pelo Delta do Parnaíba, a estonteante revoada dos guarás!

Sem pensar muito, posto uma foto da praia —uma composição irretocável, a linha do horizonte rigorosamente plana, corretas as proporções entre terra, mar e céu. A um canto, em fonte Typewriter, para deixar claro que não se trata de qualquer praia, escrevo: “Barra Grande, Piauí.”

Os minutos passam, pouca gente curte. Um amigo me diz por mensagem que esteve em Barra Grande em 2022, que de lá para cá as hordas de turistas destruíram a aura do lugar.

Outro amigo crava a faca: sua visita remonta a 2019. No dia seguinte, tendo traído gratuitamente meu anúncio, caminho pela praia em meio às ruínas da aura de Barra Grande. Não levo o celular. O dia está bonito.



Fonte ==> Folha SP

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