Como era esperado e temido, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma nova onda de tarifas que pode provocar uma mudança estrutural no comércio global —para muito pior.
A integração de cadeias complexas de produção, desenvolvida ao longo de décadas, está agora sob risco de ruptura e amplo redesenho, o que deve resultar em considerável dano econômico.
Sob a justificativa de uma “emergência nacional”, Trump impôs tarifas recíprocas, calculadas sabe-se lá como, a partir de 10%. No caso dos produtos da China, foram 34%, em adição aos 20% já cobrados antes.
A União Europeia será taxada em 20%, enquanto Canadá e México, já penalizados desde março, escaparam de novos aumentos.
Há ainda setores que terão tratamento específico, caso de automóveis, aço, alumínio, semicondutores, farmacêuticos e determinados produtos energéticos.
No agregado, a tarifa média passou de cerca de 9% para entre 19% e 25%, a depender de como será o desenho final, ainda incerto. É o maior patamar desde o século 19, superando até mesmo o protecionismo dos anos 1930.
Por trás do apelo da medida está a arcaica crença mercantilista de que déficits comerciais são necessariamente uma perda, algo já desmontado à exaustão pela teoria econômica —e pela prática.
Como já explicou didaticamente um antecessor republicano de Trump, Ronald Reagan, o protecionismo tarifário pode até preservar empregos locais por um breve período de tempo. Depois, as empresas se tornam ineficientes e dependentes dos favores do governo, as retaliações estrangeiras emperram o comércio global, os preços sobem, os mercados encolhem e milhões são demitidos.
A Casa Branca disse que está aberta a negociações, e muitos países que têm nos EUA seu mercado principal devem aceitar barganhas. De todo modo, o dano está feito e terá consequências. A inflação americana, já elevada pós-pandemia, deve subir para mais de 3%, talvez 4% neste ano.
O suposto estímulo à reindustrialização não é claro —as decisões empresariais devem ser travadas pela própria incerteza do processo. O risco de paralisia de investimentos é grande e poderá jogar o país numa recessão.
Se não se conseguir criar um bom ambiente econômico com a agenda de corte de impostos e desregulamentação ainda por vir, as eleições legislativas de 2026 podem reavivar os democratas.
Não por acaso, deve haver forte resistência ao tarifaço por parte de parlamentares republicanos, também pressionados por lobbies de setores prejudicados. Isolar o país do comércio mundial, ademais, pode empurrar emergentes para a órbita chinesa.
O Brasil, que não tem superávit no comércio com os EUA, sentiu impacto menor, com cobrança de 10%. O governo deve evitar retaliações precipitadas. Uma análise cuidadosa é essencial para não incorrer em mais perdas num conflito que já ameaça o mundo.
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Fonte ==> Folha SP