15 de dezembro de 2025

Tributar nuvens como na Terra – 14/12/2025 – Opinião

Tributar nuvens como na Terra - 14/12/2025 - Opinião

A tributação na era digital trouxe obstáculos importantes à soberania dos fiscos. Ao alterar radicalmente a maneira como riquezas são geradas e repartidas no mundo, com consequências relevantes em termos de concorrência, organização do trabalho e distribuição de renda, ampliou também os desafios à cobrança justa e eficiente de impostos.

As implicações são muitas, inclusive no plano da tributação internacional. Oportunidades imensas são abertas para a administração tributária, que tem acesso a dados como poucos na sociedade e, assim, pode tornar a fiscalização muito mais moderna e eficiente. Desafios complexos surgem para a política tributária porque balançam bases e fórmulas tradicionais, como negócios e lucros voando pelas nuvens entre países e continentes e relações de trabalho cada vez mais fragmentadas, flexíveis e precárias, distantes das relações de emprego tradicionais.

Os conglomerados digitais assumiram poderes econômico e político superior a muitas nações. Exercem influência sobre a maneira como nos comunicamos, trabalhamos, nos guiamos no trânsito, nos alimentamos, fazemos negócios e pensamos. Estima-se que o valor de mercado das big techs ultrapasse a cifra de US$ 20 trilhões.

Mas o tamanho dos negócios digitais não é proporcional ao volume de receitas tributárias geradas. Ao contrário, com estruturas de planejamento tributário que espraiam bens, direitos e ativos por todo o globo, as plataformas digitais escapam à boa parte dos tributos aplicados aos negócios tradicionais. Mesmo nos países em que se adotaram modalidades específicas de imposto sobre serviços digitais, unilateralmente, os resultados não são animadores. Na Europa, por exemplo, nos países em que é mais arrecadado, o valor recolhido com esse tributo mal chega ao que o Brasil obtém com o imposto territorial rural (algo como 0,03% do PIB), o nosso imposto de menor receita.

Num quadro em que os negócios se articulam em dimensão transnacional, também os sistemas tributários precisam se estruturar nas mesmas bases, valendo-se das novas ferramentas digitais de que hoje os fiscos já dispõem. Diálogos e coordenação internacional nunca foram mais necessários. Mas os tímidos consensos alcançados no âmbito da OCDE e as promessas de atuação multilateral estão longe de se tornar realidade. Encontraram sólidos obstáculos na reação norte-americana.

Não basta reclamar ou esperar que os donos do mundo mudem. É preciso uma estratégia nacional com competência técnica e coragem política. O Brasil, mais uma vez, pode fazer diferente. Tem instrumentos normativos e experiência. As fórmulas e técnicas são várias: Imposto de Renda retido na fonte, inclusive sobre não residentes, substituição tributária no indireto, IOF, CPMF e Cide são caminhos já testados no país.

A Receita Federal do Brasil foi das primeiras a receber declarações de IR em meio eletrônico e pela internet. Prefeituras inovaram ao adotar código de barras em carnê de imposto predial e criar a nota fiscal eletrônica. Para lidar com negócios do exterior, a nossa sistemática de preço-transferência era diferente da aplicada nas economias avançadas.

É possível construir arranjos simples, previsíveis e isonômicos que confiram às plataformas e corporações digitais que operam no país tratamento tributário compatível com o dos demais agentes econômicos —nem mais, nem menos. Ninguém pode escapar à responsabilidade de contribuir com o financiamento do setor público, na medida de sua capacidade econômica.

Democracia também requer impostos cobrados com justiça, eficiência e soberania.

TENDÊNCIAS / DEBATES

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Fonte ==> Folha SP

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