23 de abril de 2025

Ucrânia quer mais brasileiros lutando em suas trincheiras

Ucrânia quer mais brasileiros lutando em suas trincheiras

Com promessas de salários de até R$ 25 mil mensais, o governo ucraniano iniciou uma campanha para recrutar brasileiros dispostos a se juntar às suas tropas para repelir a invasão russa, que já se arrasta há mais de três anos. Nas últimas semanas, vídeos que mostram oficiais de Kiev, mercenários experientes e voluntários civis circulam nas redes sociais brasileiras, buscando atrair novos combatentes.

Para facilitar o processo, a Ucrânia traduziu para o português sua página oficial de alistamento de estrangeiros e mobilizou recrutadores brasileiros para atuar ativamente em grupos de WhatsApp, Telegram e Signal – três dos aplicativos de mensagens mais populares no país.

A estratégia visa replicar no Brasil o sucesso obtido na Colômbia nos últimos dois anos. Estima-se que até dois mil colombianos tenham combatido ao lado das forças ucranianas, atraídos por salários considerados elevados em comparação com a média do país. A maioria deles são ex-militares, ex-integrantes das Farc e antigos membros de guerrilhas formadas durante a guerra civil colombiana, que deixou mais de 200 mil mortos em meio século de conflito.

Rendimentos

As autoridades ucranianas esperam que a promessa de rendimentos muito acima da média tenha o mesmo efeito entre brasileiros. Nos vídeos que circulam nas redes sociais, soldados minimizam os riscos da guerra e enfatizam as possibilidades de ganhos rápidos, destacando ainda que os recrutas estrangeiros recebem treinamento e apoio básico.

Em canais de YouTube especializados em temas militares, oficiais ucranianos ressaltam que, em caso de morte, cada combatente tem direito a um seguro de vida de até US$ 350 mil. Apesar de não exigir experiência militar formal anterior, a página de recrutamento enfatiza que experiências anteriores de combate, mesmo que atuando em unidades paramilitares ou em milícias são uma vantagem.

Busca por estrangeiros

Renato Belém, um cinegrafista de 38 anos de Manaus (AM), foi fisgado pela ideia de iniciar uma nova carreira e agora acredita que lutar na Ucrânia é sua melhor chance de mudar de vida. Desiludido com os baixos salários e a falta de perspectivas no setor de comunicação, ele acredita que pode, em um ano e meio, juntar dinheiro suficiente para garantir uma vida melhor à sua família.

Pai de uma menina de 12 anos, ele diz que, se algo pior acontecer, o seguro prometido pelas Forças Armadas da Ucrânia poderá assegurar o futuro da filha. “Tenho fé em Deus de que tudo vai correr bem, e certeza de que voltarei com saúde”, afirma Marcelo, que serviu no 1º Batalhão de Infantaria de Selva, em Manaus, e integrou a missão militar brasileira no Haiti.

Soldados ucranianos carregam o caixão de Tomas Valentelis, de 20 anos, codinome “Biden”, um soldado voluntário lituano que lutou pelo exército ucraniano e foi morto em batalha perto da direção de Kupiansk, região de Kharkiv, durante uma cerimônia fúnebre em Kiev, em 16 de abril de 2025, em meio à invasão russa da Ucrânia.
Foto: Tetiana DZHAFAROVA / AFP

Dificuldades para recrutar

Com o número de desertores e mortos crescendo, a Ucrânia intensificou a busca por estrangeiros para reforçar seu exército, que enfrenta uma grave crise de efetivo. Estima-se que cerca de 100 mil soldados ucranianos tenham desertado desde o início da invasão russa em 2022, sendo que mais da metade abandonou as linhas de frente apenas no ano passado, em meio à lenta, mas constante, ofensiva russa na região estratégica de Donbass.

Além disso, dezenas de milhares de soldados ucranianos morreram nos campos de batalha, embora o governo evite divulgar números oficiais. Atualmente, a Ucrânia afirma manter 800 mil combatentes ativos.

O recrutamento interno também enfrenta dificuldades. No ano passado, Kiev reduziu a idade mínima de alistamento obrigatório de 27 para 25 anos e apertou os controles de fronteira para impedir que homens aptos ao serviço militar deixassem o país.

“As pessoas estão cansadas da guerra. Todo mundo conhece alguém que morreu no front. Os cemitérios estão cheios, e poucos acreditam em uma vitória”, diz Maxim Marko*, um historiador de 24 anos que pretende fugir do país ao atingir a idade de alistamento.

Ao contrário de outros países em guerra, que recrutam pessoas a partir dos 18 anos, a Ucrânia estipulou a idade mínima de alistamento obrigatório em 25 anos — uma decisão pessoal do presidente Volodymyr Zelensky, que teme sacrificar as gerações mais jovens e, com isso, comprometer o futuro do país.

A crise demográfica é profunda: desde a independência, em 1991, a população da Ucrânia caiu de 50 milhões para cerca de 32 milhões de habitantes, segundo dados oficiais. “Este país vai precisar de estrangeiros, não apenas agora, mas no pós-guerra também”, afirma Oleksandr Gladun, vice-diretor do Instituto de Demografia da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia.

O exemplo dos colombianos

O recrutamento de estrangeiros se tornou uma alternativa urgente. A Colômbia foi escolhida como um dos primeiros alvos naturais. Com fartura de ex-militares com experiência em combate após uma guerra civil que se estendeu por mais de 50 anos, o país é um dos principais exportadores de mercenários do mundo. Desde meados dos anos 2000, colombianos foram vistos combatendo na Rússia, Afeganistão, Iêmen, Somália, Líbia, Sudão e, mais recentemente, Ucrânia.

No entanto, o fluxo de colombianos começou a diminuir nos últimos meses, tanto pelo elevado número de mortes entre os combatentes quanto pelas dificuldades burocráticas para as famílias receberem indenizações.

“Se o corpo nunca é recuperado, o processo para a família receber o seguro é extremamente complicado. Muitas vezes, precisam vir pessoalmente e enfrentar a Justiça local”, explica Natasha*, tradutora do Exército ucraniano encarregada de lidar diretamente com os colombianos que estão lutando na região do Donbass, no Leste do país. Além disso, conta ela, muitos não compreendem o sistema de remuneração, que varia de acordo com a exposição ao risco.

O salário base de um soldado na Ucrânia é de US$ 500 ao mês e os valores variam de acordo com o risco das missões. Na prática, para receber o salário mais alto o soldado precisa passar a maior parte do tempo nas posições mais perigosas, como nas trincheiras da primeira linha de defesa. “Mas as chances de não sair vivo crescem exponencialmente também, e muitos ficam extremamente frustrados quando percebem que não é tão simples receber um salário de US$ 4,5 mil ao mês”.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Colômbia, com base em informações repassadas pela Rússia, ao menos 300 colombianos morreram lutando ao lado dos ucranianos nos três anos de guerra.

Brasileiros na Ucrânia

O Brasil registra números mais modestos que a Colômbia. Segundo o Itamaraty, oito brasileiros morreram oficialmente em combate desde 2022, enquanto outros 13 estão desaparecidos — o que, em linguagem diplomática, significa que são considerados mortos, embora seus corpos não tenham sido localizados.

As estimativas apontam que até 100 brasileiros estão atualmente incorporados à Legião Internacional da Ucrânia, apesar de esses números não serem oficiais. A Embaixada da Ucrânia no Brasil afirmou que não se manifesta sobre assuntos militares e não respondeu aos questionamentos da DW Brasil sobre a participação de brasileiro na guerra.

Inicialmente, a maior parte dos brasileiros se juntou à guerra movido por convicções ideológicas ou políticas, e não apenas por dinheiro. Mas com a campanha ativa de recrutamento do governo ucraniano, isso parece estar mudando.

“Recebo diariamente pedidos de ajuda para comprar passagens. Muitos dos interessados agora não têm recursos para chegar aqui e buscam uma oportunidade de ganhar dinheiro rapidamente”, conta Márcia*, uma brasileira que atua em operações civis ao lado do governo ucraniano desde o início da invasão russa. Apesar da promessa de altos salários, a Ucrânia não fornece as passagens para chegar ao país.

Renato, o cinegrafista de Manaus, vendeu o carro e lançou uma campanha de arrecadação por Pix, mas ainda não reuniu todo o dinheiro necessário para viajar. “Logo vou conseguir. Não tem futuro para mim no Brasil”, afirma.

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados



Fonte ==> Casa Branca

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