Numa cidade que maltrata seu patrimônio arquitetônico e urbanístico, vilas operárias e de classe média centenárias ainda preservadas são uma preciosidade. Outrora abundantes, hoje são raras, a maioria tendo sido completamente modificada.
Uma que mantém as características originais é a Vila Economizadora, entre a avenida do Estado e a rua São Caetano, conhecida como “rua das noivas”, no bairro da Luz.
No começo do século passado, as empresas de São Paulo começaram a botar dinheiro na construção de residências para seus trabalhadores morarem. Investidores imobiliários também surfavam a mesma onda e viam perspectiva de lucro com os imigrantes que chegavam na cidade.
Era um tempo em que desembarcavam muitos estrangeiros no Brasil e os mais qualificados ou com economias pagavam aluguel nas vilas ou para a própria empresa em que trabalhavam ou para terceiros.
A Economizadora foi construída entre 1908 e 1915 por investidores e não atendia apenas moradores de uma empresa específica, como a vila Maria Zélia, propriedade da Companhia Nacional de Tecidos de Juta. O grupo de empreendedores era comandado por Antônio Bocchini, junto com a Sociedade Mútua Economizadora Paulista.
Distribuída em uma área de cerca de 14 mil m², a vila foi criada, originalmente, com 147 casas, sendo 127 residenciais e 20 comerciais, conta Nabil Bonduki no seu livro “Os pioneiros da habitação social no Brasil”. “Mais tarde, doze dessas moradias foram desapropriadas e demolidas pela Prefeitura, restando 134 edificações 117 casas e 17 armazéns”, diz.
Não restam estabelecimentos comerciais. Seguindo sua vocação, as casas térreas da Economizadora continuam sendo habitações populares, inclusive com imigrantes, especialmente bolivianos. As construções têm problemas de acabamento e estruturais, mas continuam padronizadas.
O lugar é tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo)
Outra vila no bairro da Luz completamente diferente da Economizadora é a dos Ingleses, na rua Mauá, construída entre 1915 e 1919. Foi destinada, desde o início, para a classe média.
Concebida pela São Paulo Railway Company serviu, no início, de moradia para engenheiros britânicos que trabalhavam na construção da Estação da Luz e da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Seu projeto é do arquiteto Germano Bresser.
A vila dos Ingleses tem 28 sobrados geminados e muito espaçosos, com cozinha, banheiros, três quartos, três salas, sótão e jardim. Foge ao padrão da residência operária, embora frequentemente seja chamada por esse nome.
Ocupa uma área de 5.468 m² e é uma espécie de oásis na região. Se comparada com a dos Ingleses, a Economizadora tem 5,25 vezes mais unidades habitacionais numa área 2,5 vezes maior.
Na década de 1930, com o fim das obras na ferrovia, a vila dos Ingleses perdeu sua finalidade original e passou a ser ocupada por paulistanos de classe média e alta. Depois da Segunda Guerra Mundial, o lugar teve como inquilinos pensionatos católicos e clubes de funcionários federais.
Nos anos 1970, no seu momento mais operário, ele foi ocupado por trabalhadores envolvidos com a construção da estação Luz do metrô e por policias militares.
Foi só na década de 1980 que a família proprietária decidiu fazer uma reforma geral. Deixou o lugar, tombado pelo Condephaat, impecável. Nessa época, as casas passaram a abrigar escritórios de profissionais liberais, como arquitetos, advogados e designers.
A vila mudou sua vocação de residencial para comercial e manteve o ar aprazível. Parece ser um ambiente absolutamente tranquilo de trabalho. O problema é o entorno, muito contrastante com as delícias do conjunto residencial.
Fonte ==> Folha SP