23 de abril de 2025

Valorizar a Constituição – 06/02/2025 – Opinião

Valorizar a Constituição - 06/02/2025 - Opinião

Tantas vezes emendada, a Constituição de 1988 não é, sabidamente, um documento perfeito. Mas seu coração está no lugar certo: a construção de um país livre, democrático, justo e voltado ao bem comum.

Uma das ferramentas fundamentais para garantir que esses objetivos possam ser alcançados está no artigo 2º da Carta: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Nossa conjuntura política pede uma reflexão renovada sobre o significado dessa cláusula pétrea.

Foi o Barão de Montesquieu quem estabeleceu, no século 18, o princípio da tripartição de Poderes tal como ele é conhecido hoje. Pensadores que vieram antes dele já haviam apontado a importância da separação entre as funções de governar e legislar para evitar tiranias. Montesquieu acrescentou um termo à equação. “Quando os Poderes Legislativo e Executivo estão unidos na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistrados, não existe liberdade”, escreveu o filósofo. “Além disso, não há liberdade se o Poder Judiciário não estiver separado dos outros dois.”

A Constituição dos Estados Unidos foi a primeira a pôr a ideia da tripartição em prática. Mas não fez isso de forma pura. Criou o famoso sistema de pesos e contrapesos, que permite a cada um dos Poderes controlar as ações dos outros. Assim, por exemplo, o presidente da República pode vetar as leis criadas pelo Congresso, mas seus vetos podem ser derrubados pela maioria absoluta dos parlamentares. O Supremo Tribunal Federal pode considerar inconstitucionais os atos dos outros Poderes, anulando-os. Mas seus ministros são indicados pelo Executivo e aprovados pelo Legislativo.

A Constituição brasileira segue esse modelo, com um acréscimo: ela prevê que Executivo, Legislativo e Judiciário, além de independentes, devem ser harmônicos. Essa é uma palavra de ordem que todos os envolvidos no exercício do poder deveriam seguir –mas nem sempre o fazem no nosso momento atual.

A separação de Poderes é uma salvaguarda contra a possibilidade de que um deles se torne arbitrário. Parte da suposição realista de que os limites eventualmente serão ultrapassados e prevê mecanismos para restaurá-los. A harmonia é um ideal. É um mandamento dirigido a governantes, legisladores e magistrados, para que estejam alertas a esses limites e se esforcem para preservá-los.

Outra expressão vem sendo usada com frequência nos nossos debates públicos para traduzir essa ideia: os Poderes devem exercitar a autocontenção, porque isso é indispensável para manter a legitimidade do Estado de Direito no Brasil.

Exercitar a autocontenção significa levar ao plenário do Congresso leis claras e solidamente embasadas na Constituição. Significa evitar o ativismo judicial e utilizar com parcimônia as decisões monocráticas em órgãos colegiados. Significa não instrumentalizar a Justiça para tentar reverter derrotas colhidas em votações parlamentares legítimas. Significa, também, adotar atitudes de respeito e abertura ao diálogo institucional.

Encaminhar soluções para os problemas prementes da economia, da segurança, da educação demanda aparar arestas em vez de acentuá-las e evitar que as divergências políticas, naturais e necessárias num regime pluralista, degenerem em crises que põem em questão as próprias regras do jogo democrático.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.



Fonte ==> Folha SP

Leia Também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *