Os argentinos andam loucos pelas uvas criollas,, variedades que nasceram na Argentina a partir do cruzamento espontâneo de cepas europeias trazidas pelos colonizadores. Antes relegadas à produção de vinhos baratos, as criollas conquistaram uma nova geração de produtores a partir do início da década passada.
Agora, ganharam até a sua própria feira de vinhos, a Tomá Criolla, que acontece no próximo 25 de maio, no restaurante Lardito, de Buenos Aires. Os organizadores prometem apresentar mais de 40 projetos e 99 rótulos vindos de todos os cantos da Argentina, dos Vales dos Calchaquies, no noroeste, a Chubut, na Patagônia.
Acredita-se que haja mais de 40 variedades criollas na Argentina, entre tintas, rosadas e brancas. A maioria delas são cruzamentos de duas variedades da Península Ibérica, a listán prieto e a moscatel de Alexandria. Ambas entraram pelo Peru e se espalharam pelas diversas províncias.
Segundo o livro Wine Grapes, de Jancis Robinson, Julia Harding e José Voullamoz, a listán prieto praticamente desapareceu do continente europeu. Hoje só é plantada nas Ilhas Canárias (mas não confunda com a listán negro, mais comum nas Canárias). Já a moscatel de Alexandria até hoje é amplamente cultivada tanto na Europa quanto no novo mundo.
A listán está em quase toda a América. No Chile, é chamada país. No México e na Bolívia, mision. Nos Estados Unidos, mission. No Peru, negra corriente. Na Argentina, criolla chica. Embora tenha vindo da Europa, está desde o século 17 nas Américas e, portanto, é considerada como criolla, ou seja, criada na terra. O mesmo acontece com a moscatel de Alexandria.
As outras criollas mais comuns são a tinta criolla grande, a rosada cereza e as brancas pedro gimenez (não confunda com a pedro ximenes espanhola) e a torrontés. Na verdade, há três tipos de torrontés: a riojana, a mais conhecida delas, muito aromática, a mendocina, que é bem pouco aromática e a sanjuanina, que tem aromas de intensidade média.,
São variedades resistentes às adversidades climáticas, vigorosas. Se o produtor permitir, rendem muita quantidade e nem tanta qualidade. Se cuidadas com o mesmo carinho que as chamadas uvas finas, no entanto, são capazes de produzir vinhos muito elegantes.
Vários são importados para o Brasil. Outro dia, provei o Vamos de Parranda Criolla Blanco (Domínio Cassis) no Animus Restaurante junto com um croquete de porco. Bem fresco e frutado, foi super bem com a fritura. Não se mostrou aromático demais, o que para mim é ótimo. Na ficha técnica da importadora, ele aparece como sendo um corte de criolla grande, criolla chica e cereza, as mesmas uvas do Vamos de Parranda Criolla Tinto. Os aromas florais da moscatel não aparecem fortes. O tinto, que tomei no Cacho Bar, me pareceu mais floral, embora seja também bastante elegante.
Em casa, tomei o Casa Selvaggio (Evino), um rosé escuro, com bastante aroma de fruta vermelha fresca, muito fresco e gostoso na boca. O rótulo e a ficha técnica, só dizem criolla, não especificam qual. Já o Riccitelli Clarete é produzido com uvas criollas brancas e tintas. É um vinho muito fresco, que pede comida. Vinícola premium do grupo Nieto Senetiner, a Cadus produz um Criolla Chica incrível. Um pouco mais encorpado do que a maioria, mas com ótima acidez, ele me lembrou um bom pinot noir.
Fermentado em ânforas de barro, o La Marchigiana Criolla da Bodegas y Viñedos Nicolás Catena (Mistral) , também é bastante discreto nos seus aromas, considerando que ele é 100% criolla grande, uma variedade que é filha da super aromática moscatel de Alexandria. Tem aroma de frutas frescas. O tom é próximo dos claretes, mas, na boca, apesar de fácil de tomar, tem alguma rugosidade, o que não é tão comum já que as criollas têm pouco tanino. Um vinhão.
Segundo o enólogo Alejandro Vigil, esse vinho já era produzido antes da criolla ser moda. Por que? “Porque criolla é o vinho que se tomava na casa dos meus pais”, diz. “Aprendi a beber vinho com ele e ainda gosto muito.”
Fonte ==> Folha SP