Alerta de spoiler: O texto a seguir não é “só” sobre raça (rsrsrs).
Brincadeiras à parte, o conteúdo se aplica a uma série de situações inconstitucionais, injustas e inaceitáveis que se repetem cotidianamente no país. Sendo assim, claro que inclui as desigualdades étnico-raciais vigentes nestas terras desde antes de o Brasil ser Brasil.
Entre tantas inconsistências, destaco a resiliência do discurso do mérito desconsiderando as circunstâncias. Refiro-me ao “basta se esforçar para vencer na vida” e a todo o blá blá blá com base em métricas de resultados fundamentadas na lógica do “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Na realidade, há uma distância monumental separando o direito formal (previsto na norma) do direito material (que se concretiza). E esse é o tipo de coisa que, além de ferir a Constituição, é injusta, imoral, inadequada e, infelizmente, fatal para pessoas negras em muitos casos.
Aposto um doce como todos já ouviram ao menos uma vez na vida a célebre expressão “bandido bom é bandido morto”. Aposto também que poucos já pararam para pensar no complemento “desde que seja negro” implícito na sentença.
O que fez lembrar da imagem da multidão aglomerada em Bangu (RJ) para festejar a libertação de MC Poze, um dos funkeiros mais populares da cena nacional. Parece uma amostragem bem razoável do poder e da força que o povo tem quando se une, como observou a intelectual diferentona Bárbara Carine em rede social.
Para além das “minudências” que constituem esse caso concreto, e muito longe de qualquer apologia do crime, a quantidade de cidadãos brasileiros com vivência suficiente para se solidarizar com a dor de um homem negro humilhado em público e preso por agentes do Estado mediante uma acusação genérica é um alerta vermelho.
Não, esse texto não é “só” sobre raça. Este texto é sobre um projeto de nação que criminaliza quem desde sempre foi obrigado a “se virar” com as “lições que aprendeu e as experiências que teve” (minha livre adaptação de versos do MC Poze).
Fonte ==> Folha SP