10 de outubro de 2025

DNA EaD – Formação Docente para EaD: Entre a Improvisação e a Excelência

A ausência de políticas públicas, a desigualdade formativa e a demanda de um novo perfil docente para o século XXI

O problema que não se cala

A questão é clara: estamos preparando professores para atuarem no século XXI com metodologias e ferramentas do século passado? Quando o tema é formação docente, a resposta ainda é, infelizmente, um incômodo “sim” — tanto no ensino presencial quanto na Educação a Distância (EaD).

Se a formação tradicional já enfrenta lacunas estruturais importantes — como currículos desatualizados, foco excessivamente teórico e afastamento das práticas reais da docência contemporânea —, no contexto da EaD, esses problemas tornam-se ainda mais evidentes. A modalidade demanda competências pedagógicas, tecnológicas e comunicacionais específicas, para as quais grande parte dos professores não foi, e continua não sendo adequadamente preparada.

Apesar de vivermos no século XXI, o Brasil ainda não incorporou plenamente os princípios da Educação 4.0, alinhada à Quarta Revolução Industrial, marcada pela integração de tecnologias emergentes como Inteligência Artificial, Internet das Coisas (IoT), Big Data e Realidade Aumentada. Essa abordagem demanda um modelo de ensino centrado no estudante, com metodologias ativas, cultura maker, aprendizagem baseada em projetos e resolução de problemas. No entanto, o que se observa no contexto educacional brasileiro é uma realidade que oscila entre os paradigmas da Educação 2.0 e 3.0 — modelos ainda fundamentados em práticas de ensino massificado, currículos padronizados, centralização do conhecimento em sala de aula e uma integração tecnológica limitada, restrita, muitas vezes, à modalidade híbrida ou ao uso pontual de recursos digitais.

A ilusão da simples adaptação: o equívoco da transposição do presencial para o online

Por muito tempo, acreditou-se que bastaria capacitar docentes presenciais no uso de plataformas digitais para que estivessem aptos a atuar na EaD. Essa visão reducionista ignora a complexidade da mediação pedagógica nos ambientes virtuais, além de desconsiderar que o ensino a distância vai muito além da simples transmissão de conteúdos pela internet.

A pandemia reforçou essa concepção equivocada: muitos passaram a entender o ensino remoto como uma mera aula transmitida por computador. O resultado foi a replicação do modelo presencial expositivo em longas videoconferências síncronas, sem adaptação metodológica e com pouca ou nenhuma interação pedagógica. Isso levou a elevados índices de evasão, desmotivação dos estudantes e à superficialidade no processo de ensino-aprendizagem.

A EaD exige dos docentes não apenas domínio de ferramentas digitais, mas competências didáticas específicas, fluência tecnológica, habilidade para desenhar experiências de aprendizagem interativas e ativa participação. Soma-se a isso a necessidade de desenvolver habilidades socioemocionais para manter os estudantes engajados em um ambiente que exige autonomia e está sujeito à dispersão.

Desigualdade na formação docente para EaD

A grande maioria dos cursos de licenciatura no Brasil ainda é estruturada a partir da lógica do ensino presencial. Poucas instituições integram de forma sistemática temas como educação digital, design instrucional ou avaliação mediada por tecnologias, de forma efetiva. Ainda vemos muitas “coisas” ultrapassadas sendo apresentadas como novidade para alunos dos cursos de licenciatura.

Essa lacuna é ainda mais acentuada nas regiões periféricas, em instituições de ensino superior (IES) de pequeno porte e, de forma irônica, nos próprios cursos de formação docente oferecidos na modalidade a distância — que, muitas vezes, ignoram as melhores práticas da EaD. Isso aprofunda a desigualdade formativa, compromete a qualidade do ensino ofertado e reforça estigmas associados à modalidade.

A ausência de políticas públicas estruturadas

Um dos principais entraves da formação docente para EaD no Brasil é a falta de uma política pública nacional clara e estruturada. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para formação de professores ainda não abordam de forma adequada as competências necessárias para o ensino mediado por tecnologias.

Na prática, cabe às instituições preencher esse vácuo, geralmente de maneira reativa, pontual e com recursos limitados. Essa ausência de diretrizes normativas e financiamento adequado dificulta a construção de projetos formativos coerentes e equitativos, perpetuando a improvisação e reduzindo a eficácia dos processos formativos.

O que fazem os EUA e a Europa? – Uma análise comparativa

Nos Estados Unidos, universidades como Penn State, Arizona State University e University of Central Florida mantêm centros especializados em educação digital, com programas contínuos de formação para docentes. Um exemplo é o “Online Faculty Development” do Penn State World Campus, que oferece o curso “Certificate for Online Teaching”, com foco em engajamento estudantil, presença do professor, avaliação e mediação pedagógica em ambientes virtuais.

Na Europa, países como Finlândia, Holanda e Reino Unido adotam políticas nacionais integradas ao desenvolvimento de competências digitais para educadores, alinhadas às diretrizes da União Europeia. O principal referencial é o DigCompEdu (European Framework for the Digital Competence of Educators), desenvolvido pelo Joint Research Centre da Comissão Europeia. Esse modelo define 22 competências distribuídas em seis áreas, abrangendo desde o uso pedagógico de tecnologias até a personalização da aprendizagem e o desenvolvimento profissional contínuo.

Nessas nações, a formação para EaD é tratada como parte estratégica das políticas de valorização da carreira docente.

Casos de sucesso na formação continuada no Brasil

Apesar dos desafios, algumas instituições brasileiras vêm investindo em programas próprios de formação continuada, com base em metodologias ativas, mediação digital e acompanhamento pedagógico constante. Algumas IES já criaram centros de formação docente específicos para a EaD, com foco na capacitação de professores e tutores no uso de metodologias digitais.

A Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), por exemplo, implantou um programa contínuo de capacitação, alinhado às diretrizes da educação digital e ao uso intensivo de dados para monitoramento da aprendizagem.

Outras instituições firmaram parcerias com edtechs, universidades internacionais e startups especializadas, formando ecossistemas formativos mais dinâmicos. Destacam-se os convênios técnico-científicos e os programas de mobilidade acadêmica internacional, que facilitam a troca de metodologias, a produção conjunta de recursos digitais e a formação colaborativa de docentes. Essas ações têm aproximado o ensino brasileiro das tendências globais da educação online, promovendo a inovação pedagógica e a valorização profissional.

Mesmo que ainda dispersas, tais iniciativas demonstram que é possível qualificar a docência na EaD de forma consistente, desde que haja planejamento, investimentos e uma visão de longo prazo.

Mediação pedagógica: o elo invisível da qualidade

Um dos aspectos mais negligenciados na formação para EaD é a mediação pedagógica — a habilidade de transformar conteúdos em experiências significativas de aprendizagem, mesmo em ambientes digitais.

Essa mediação exige um conjunto articulado de competências e atitudes por parte do docente. Entre as competências, destacam-se o domínio do design de interações online, a leitura de indicadores de aprendizagem e a capacidade de realizar intervenções pedagógicas eficazes. Quanto às atitudes, são fundamentais a escuta ativa, a empatia e uma comunicação assíncrona clara, que permitam construir vínculos com os estudantes, mesmo à distância.

Sem esse tipo de mediação, o ensino a distância se torna um processo frio, mecanizado e ineficiente.

Conclusão – O professor do futuro começa agora

A formação docente é o ponto de partida essencial para elevar a qualidade do ensino superior — presencial ou a distância. Mais do que ensinar a operar ferramentas digitais, trata-se de formar profissionais capazes de criar experiências educativas relevantes, inclusivas e transformadoras.

O Brasil precisa abandonar a lógica da improvisação e tratar a formação para EaD como uma política estruturante, estratégica e de Estado. O professor do futuro precisa começar a ser formado hoje — e o tempo para isso é agora

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